UNO Novembro 2015

A sociedade civil: um agente subestimado

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Na lista dos fatores estratégicos que influenciam a relação entre a UE e a América Latina, poucas vezes se aponta o que a sociedade civil (SC) representa. Em muitas ocasiões, inclusive, quando se faz referência a ela,  há a impressão de que é mais para dar continuidade ao politicamente correto do que por convicção.

Por que as organizações da sociedade civil são, ou deveriam ser, tão importantes nas relações entre a UE e a ALC?

Em primeiro lugar, porque elas são a base de tais relações. Antes do surgimento da UE, ou do Grupo do Rio, ou do Mercosul, a SC já estava lá, como resultado de processos e por vínculos históricos, migratórios, linguísticos, culturais, familiares, civilizatórios. Estes vínculos fazem com que as relações entre as nossas sociedades civis sejam muito mais desenvolvidas do que em qualquer outra região do mundo. Em outras palavras, a força das relações UE-ALC está enraizada na sociedade civil: esquecer ou banalizar isto é um erro grave.

Às vezes, pensando nos interesses concretos, nos esquecemos do essencial: dos interesses políticos e estratégicos. Não pode haver alianças estratégicas que não façam suas as sociedades civis

Em segundo lugar, porque, neste momento em que os movimentos comerciais e de investimentos tendem a ultrapassar do Atlântico para o Pacífico, não convém esquecer a importância dos fatores políticos e estratégicos. Em um momento em que o mundo enfrenta desafios como as mudanças climáticas e o desenvolvimento sustentável, o aumento das desigualdades, a governança mundial, os movimentos migratórios e os êxodos causados pelas guerras, a escassez de recursos raros ou da água, a transição para outras fontes de energia, uma certa “medievalização” dos conflitos religiosos e de epidemias, ou a emergência de uma nova potência mundial, como a China, as alianças estratégicas são essenciais. E certamente, não há aliança estratégica mais natural do que a que pode unir a Europa e a América Latina, duas regiões que representam um bilhão de pessoas. Às vezes, pensando nos interesses concretos, nos esquecemos do essencial: dos interesses políticos e estratégicos. Estamos vivendo isto dentro da UE e podemos viver em relação à AL. Mas a verdade é que não pode haver alianças estratégicas reais, profundas e duradouras que não façam suas as sociedades civis.

17Em terceiro lugar, estão surgindo protagonismo na sociedade civil cada vez mais difíceis de ignorar. Por acaso, falemos de exemplos  bem recentes, como a posição de grande parte da sociedade civil europeia e americana diante da Associação Transatlântica de Comércio e Investimento (ATCI) ou de movimentos, impulsionados pelas novas gerações, em Honduras ou Guatemala, contra a corrupção, a reforma do sistema educacional no Chile ou a pressão internacional contra os “contratos de proteção” no México. Os processos de globalização e democratização inevitavelmente abarcam demandas por reconhecimento da democracia social para exigir que, junto com a cidadania política e civil, se reconheça a cidadania social. A sociedade civil é, e será mais em um futuro próximo, um fator central para a aceitação, a legitimação e a promoção de parcerias entre nossas duas regiões.

Em mais de 20 anos de relações entre SC latino-americano e europeia temos conseguido alguns avanços importantes: clima de cooperação e de confiança; a colaboração direta entre setores, como o da economia social, sindical, empresarial e de redes sociais; o fortalecimento das instituições representativas da SC da AL; consolidação dos encontros bienais; presença da sociedade civil na Assembleia Parlamentar Eurolat; reconhecimento da participação da SC em diversos acordos comerciais ou de parceria, como o Chile, a Colômbia/Peru, América Central; participação na Associação Estratégica UE-Brasil.

E, especialmente, contribuir para um novo cenário em que o modelo social europeu, que perdeu valor de referência, a renovar o relato da insubstituível associação estratégica entre a União Europeia e a América Latina

Não resta dúvida, no entanto, que ainda há muito a ser feito para ser mais eficaz. Atrevo-me a sugerir algumas prioridades: 1) realizar projetos entre os Encontros Bienais: por exemplo, sobre a proteção social dos trabalhadores emigrantes e pessoas deslocadas, sobre a economia subterrânea e o trabalho decente; 2) Estruturar de uma forma menos repetitiva, mais racional e eficaz, a participação da SC nos diferentes Acordos e Associações Estratégicas; 3) Fortalecer as estruturas regionais de participação da SC nas várias subregiões da AL; 4) Alcançar a criação de uma participação conjunta da SC Europeia e mexicana no Acordo de Associação, assim como na de Associação Estratégica; 5) Realçar ainda mais a importância que a SC outorga à realização de um Acordo de Associação entre a UE e o Mercosul, não só por razões econômicas, mas também por questões políticas e geoestratégicas.

E, especialmente, contribuir para um novo cenário em que o modelo social europeu – esse “patrimônio da humanidade”, reivindicado pelo presidente Lula, que perdeu valor de referência, a renovar o relato da insubstituível associação estratégica entre a União Europeia e a América Latina.

José María Zufiaur
Presidente da Seção de Relações Exteriores do Comitê Econômico e Social Europeu / Espanha
Foi secretário-geral da União Sindical dos Trabalhadores (1971-1977) e em 1975, tornou-se membro da "Comissão dos 10" da Oposição Democrática. Em 1977 foi eleito membro da Comissão Executiva da Confederação da União Geral dos Trabalhadores (UGT), onde ocupou os cargos de Secretário-Geral Adjunto (USG), responsável pelas Comissões de Negociação da UGT nos "Acordos de Diálogo Social", diretor da revista Claridad e diretor do Instituto Sindical de Estudos. Além disso, também é presidente da Seção de Relações Externas do Comitê Econômico e Social da União Europeia, membro do Comitê Científico do Centro de Estudos Sindicais do Instituto de Florença e do Grupo de Alto Nível sobre Relações Trabalhistas e Mudanças industriais na União Europeia. [Espanha]

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