UNO Outubro 2017

Democracia líquida e tecnologia exponencial para transformar o mundo

Poderiam transcorrer quilômetros de páginas e horas de scroll para incluir somente uma parte da história econômica e política na qual se repete a ideia de que, para conquistar uma democracia mais sólida e transparente, são necessárias a participação da sociedade civil e a prestação de contas dos seus governantes. Nada novo sob o sol.

O que parece ser novidade são as mudanças exponenciais do século XXI. O conhecido termo, hoje tão utilizado para se referir à realidade em rápida transformação, de “modernidade líquida” foi concebido por Zygmunt Bauman, em 1999, para descrever a ausência de forma em um mundo desestruturado, onde já não há segurança no emprego, o estado de bem-estar é cada vez mais frágil ou a globalização nubla a cultura local.

E foi nesse conceito que se inspirou a ideia de “democracia líquida”, definida por Steven Johnson na sua obra Futuro perfeito, de 2012. O jornalista do The Financial Times explica como a internet gera uma estrutura tecnossocial descentralizada – as famosas redes de pares por ela criada, como o projeto Wikipédia – que é capaz de superar o que ele denomina como “o centralismo hierárquico do Estado”. Dessa forma, a democracia líquida conecta ativistas e empreendedores que buscam soluções para os desafios da modernidade líquida sob os princípios da igualdade, cooperação e participação.

A democracia líquida conecta ativistas e empreendedores que buscam soluções para os desafios da modernidade sob os princípios da igualdade, cooperação e participação

O novo paradigma da democracia líquida é, portanto, democratizar a cidadania e cidadanizar a democracia: dar mais protagonismo aos cidadãos, reconhecendo-lhes a possibilidade de votar em decisões e realizar propostas, ao mesmo tempo que lhes proporciona o mecanismo de ceder seu voto a pessoas mais especializadas ou de sua confiança.

A uberização da democracia: a revolução blockchain e a participação cidadã

Assim como a empresa Uber está revolucionando os mercados, parece que a tecnologia blockchain, além de bagunçar os setores econômicos como o sistema bancário tradicional, está fazendo o mesmo com a democracia. Mas o que é blockchain? A “cadeia de blocos” é um protocolo que capacita as pessoas para criar confiança mediante códigos criptografados inteligentes. O blockchain permite fazer um registro de operações que são distribuídas e sincronizadas entre vários computadores e que não podem ser alteradas sem consentimento.

Se existe algo que mudará essa tecnologia, é a forma como vamos participar na democracia. Especialistas como Stefan Junestrand defendem que o blockchain pode melhorar a gestão da administração pública, permitir a economia colaborativa com mais segurança para todas as partes ou contribuir com as políticas de sustentabilidade, no âmbito das smart cities. Por sua vez, o autor de A revolução do blockchain, Dan Tapscott, revela que com esse protocolo será possível usar o big data para os mercados de previsão, sendo possível prever, por exemplo, as taxas de desemprego que causarão determinados investimentos públicos. Uma revolução total.

O blockchain pode melhorar a gestão da administração pública, possibilitar a economia colaborativa e contribuir com as políticas de sustentabilidade no âmbito das smart cities

Essas novas formas de participação já existem em muitos lugares. Sem ir mais longe, a Prefeitura de Alcobendas, na Espanha, permitirá que seus cidadãos votem para onde querem que sejam destinadas determinadas rubricas orçamentárias com tecnologia blockchain. Outro caso disruptivo é o aplicativo Sufragium, uma das maiores comunidades de votações, ímpar pela sua identificação de pessoas através de documentos oficiais, cujo voto está criptografado e, além disso, permite uma comunicação direta entre cidadãos e prefeituras e outros órgãos.

Mas, se damos mais um passo em direção à participação, encontramos o país que mais pratica a democracia eletrônica, a Estônia, onde 30 % dos seus cidadãos votaram através do celular nas eleições gerais, já em abril deste ano. Uma boa solução diante da baixa participação e do descontentamento político.

Outras iniciativas de participação dos cidadãos não menos importantes, embora menos disruptivas quanto à tecnologia, são as consultas públicas lançadas pelos vários Ministérios do Governo da Espanha nos seus respectivos sites, como é o caso do Ministério da Agricultura, para perguntar à sociedade civil e a especialistas sobre o projeto de lei que proibirá as sacolas de plástico em 2020 ou o do Ministério da Indústria, para definir as características de convocatórias de grandes projetos de TIC. Com software livre, foram lançadas as plataformas de orçamentos participativos da Prefeitura de Madri, Decide Madrid, focada em canalizar a participação dos cidadãos em três vias: a relação com os vereadores, a participação em projetos municipais e a promoção das propostas dos cidadãos; bem como da Prefeitura de Barcelona, Decidim Barcelona, cujo site combina os fóruns virtuais de debate com os presenciais.

Tecnologia a serviço do bem comum: BigData4Good e Apps4Citizens

Assim é como o prêmio Nobel, Tirole, explica sua teoria da economia do bem comum:

“A economia não está nem a serviço da propriedade privada e dos interesses individuais, nem dos que gostariam de utilizar o Estado para impor seus valores. A economia está a serviço do bem comum para conquistar um mundo melhor”.

Essa mesma definição é seguida pela tecnologia com impacto social.

Tanto é que, o Cluster de Inovação Social, SIC4Change, que pretende transformar a forma como se enfrentam e solucionam os problemas sociais, no seu evento colaborativo BigData4Good, identifica possíveis usos do big data para empreendedores sociais, ONGs ou o sector público, como o World Food Program das Nações Unidas no Paquistão, que registra as entregas de comida e dinheiro a cada família em um blockchain público para facilitar o controle e a transparência da ajuda prestada.

Além disso, plataformas como a Apps4Citizens, que reúnem diversas iniciativas no seu repositório web, promovem o uso de aplicativos para a participação dos cidadãos. É o caso do JoinIn, o primeiro aplicativo de cidadania colaborativa que permite criar iniciativas solidárias ou unir-se a outras já existentes. Ou o RefAid, um aplicativo de ajuda para pessoas refugiadas e imigrantes que contribui com a coordenação do trabalho humanitário

Isso é apenas uma amostra de como é possível aplicar as tecnologias exponenciais para resolver os grandes desafios da humanidade. Como explica Peter Diamandis, fundador da Singularity University, “os maiores desafios globais são, exatamente, as maiores oportunidades de negócio”, o que gera um enorme valor compartilhado para a sociedade.

Ana Lorenzo
É membro fundador do cluster de inovação social SIC4Change
Ana Lorenzo é consultora de comunicação estratégica, assuntos públicos e RSC. Membro fundador do cluster SIC4Change. Com experiência no setor público, como assessora do Gabinete da Presidência do Governo da Espanha e como chefe de gabinete para a Espanha da Vice-Presidência da Comissão de Assuntos Econômicos do Parlamento Europeu. Também trabalhou no terceiro setor, no âmbito de think tanks ou em meios de comunicação, como colunista do Atualidade Econômica. Também é presidente da Junta de Alumni da Universidade de Navarra em Madri, vogal da junta diretiva de Harvard Kennedy School Spain Alumni Association e vogal do Comitê de Novas Iniciativas do Clube Financeiro, entre outras. [Espanha]

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