UNO Agosto 2013

Vidas exemplares na governança corporativa

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“A Grande Recessão” prejudicou seriamente a reputação dos gestores de grandes empresas em geral e do setor financeiro em particular. Faz sentido quando você considera que mais de 30% da riqueza do mundo foi destinada a pagar erros cometidos pelos bancos ou pelo setor imobiliário. Isto levou a uma forte rejeição da sociedade, que percebe as práticas como um autêntico assalto.

Mas o pior de tudo é que os excessos cometidos por alguns empresários terminaram por manchar a todos. Os abusos e a ganância foram tão fortes que acabaram contaminando o sistema. Dito de outra forma: a crise acabou com os códigos de reputação, que são percebidos pela opinião pública como um pretexto para que os homens de negócio continuem enriquecendo-se em detrimento do bem comum.

Os gestores têm que defender as empresas dos novos piratas do século XXI: os especuladores que compram ações a baixos preços para “filetear” a sociedade

Isto levanta a necessidade de restaurar a confiança nos gestores como peças básicas da engrenagem da geração de riqueza. Para isto, são necessárias novas práticas mais éticas e uma mudança radical de atitudes e comportamentos. Os empresários se percebem como dirigentes e garantidores do nosso modelo de sociedade e, portanto, se espera deles que vivam vidas exemplares. Só assim se poderia fazer uma política de comunicação eficaz, capaz de restaurar o prestígio e a confiança que nunca deveriam ter sido perdidos.

A deterioração da imagem tem produzido um vácuo de liderança empresarial e a própria sociedade começou a fabricar seus próprios mitos. Homens com vidas singulares, em que, como acontecia com os santos ou heróis da antiguidade, são mais mito que realidade. O protótipo do empresário exemplar em um jovem empresário, que se fez às custas da própria iniciativa e determinação, sem receber ajuda ou subvenções de ninguém. A galeria reuniu desde Bill Gates a Amancio Ortega, passando por Rafael del Pino e Francisco Roig, o proprietário do Mercadona. Neste protótipo, os donos se impõem à frente dos gestores. A razão é que estes aparecem para a sociedade como “patrões”, palavra que provém do latim e que significa protetor ou defensor.

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No entanto, a atual realidade é muito mais complexa. O patrão tende a deixar a empresa para seus descendentes, que não necessariamente tem seu olfato ou sua capacidade de gestão. De fato, em muitos países, existe um ditado popular que se repete com pequenas modificações: …“O pai cria, o filho herda e o neto destrói”.

Os proprietários em uma economia globalizada já não são necessariamente as melhores garantias do bom funcionamento das empresas. Na verdade, quando uma empresa familiar atinge um determinado tamanho, a melhor opção para garantir a continuidade do negócio é lançá-lo na Bolsa. É quando começam os problemas, pois a administração não pode ser feita baseando-se no interesse da família fundadora, embora estes permaneçam como acionistas majoritários, mas refletindo o interesse de todos os acionistas sem esquecer de todos os trabalhadores e do interesse público.

As coisas se complicam ainda mais quando o sócio majoritário tem apenas uma participação minoritária de capital e pretende impor-se ao resto dos acionistas controlando a gestão e atuando em seu próprio benefício. Assim, é relativamente comum ver como um acionista com uma participação de controle que pode ser de 15% ou 20% trata de atuar como se fosse o dono absoluto ante à dispersão do resto do capital.

A perversão ocorre quando o primeiro executivo de uma empresa é também o presidente do conselho e o responsável por nomear conselheiros e as diferentes comissões de controle da gestão

Nesses casos, não há dúvida de que é preferível um gestor à frente da sociedade a um dos “donos”, já que há uma maior garantia de equidade e profissionalismo em um hipotético confronto de interesses. A evidência de tais abusos pode ser visualizada quando o acionista majoritário vendeu suas ações com uma recompensa de controle que duplicava, ou mesmo triplicava, o preço que era cobrado aos demais acionistas minoritários. Esta foi a razão pela qual grandes empresas foram se blindando, introduzindo em seus estatutos, cláusulas que limitavam o direito de voto a 10%, justamente para evitar tais práticas.

Quando algum governo eliminou por lei estas cláusulas anti-blindagem, argumentando que o direito democrático de uma “ação, um voto”, como na Espanha, a realidade mostrou a necessidade de medidas corretivas ante ao perigo de ficarmos sem grandes empresas. Devido à crise financeira, uma grande parte das sociedades cotadas em bens valem mais do que seu valor de mercado. Isto convida os especuladores a assumir a gestão com muito pouco dinheiro para ir vendendo ativos, estratégicos ou não, para obter grandes benefícios por meio da divisão de dividendos extraordinários. É o que se conhece como “filetear” uma empresa para vendê-la no mercado como se fosse um filé mignon.

Eles são os novos “Piratas” do século XXI, que exploram a Grande Recessão para conseguir benefícios destruindo a riqueza em vez de ajudar a criá-la. Para evitá-los, surgiram os gestores que, como um guarda-costas, tem como principal responsabilidade proteger e defender a propriedade de uma forma integral; é como se estivessem defendendo todos os acionistas por igual, tanto os grandes como os pequenos. Ao mesmo tempo, estes têm que velar pela continuidade dos negócios e pelo cumprimento de seu objetivo social.

Esta crise obriga sociedades e, sobretudo as corporações, a repensarem a maneira de agir, rejeitando a primazia da eficiência econômica sobre o comportamento ético

Assim, os gerentes aparecem aos olhos da sociedade como uma espécie de generais, cuja missão é defender a empresa dos ataques internos e externos que estas podem receber. O sucesso de suas batalhas é medido em seu trabalho, e sua vitória é a otimização dos benefícios no médio e longo prazo. De alguma forma, gestores assumem o papel de “patrono”, no sentido de defender e proteger a sociedade que gerenciam e, como qualquer outro dirigente, a sociedade não só exige resultados, mas que ele os obtenha eticamente. Esses requisitos não os deixam a salvo de atuar de forma abusiva, já que podem se comportar como se fossem os verdadeiros donos das empresas. Mas a grande vantagem é que os acionistas podem substituí-los quando considerarem oportuno, de acordo com a indenização acordada.

Com esta abordagem, é essencial que os conselhos de administração sejam formados pelos representantes da propriedade e, portanto, pelos reais órgãos de controle da gestão.
A perversão ocorre quando o primeiro executivo de uma empresa é também o presidente do conselho, e o responsável por nomear conselheiros e determinar quem e como devem funcionar as diferentes comissões, desde a auditoria à remuneração, até a área jurídica ou de pessoal. É então quando se corre o perigo de agir como uma monarquia ilustrada: “tudo para a empresa, mas sem a empresa”.

Para evitar essas práticas, existem os Códigos de boa governança corporativa, que foram concebidos como autênticos manuais de ética empresarial, orientando a implementação de uma gestão que prima pela transparência, rigor e excelência no trabalho realizado. Com tudo isso, as sociedades e, sobretudo as corporações, terão de repensar a maneira de agir e defender a primazia da eficiência econômica sobre o comportamento ético.

Mariano Guindal
Jornalista econômico
Reconhecido como um dos jornalistas econômicos mais reconhecidos na Espanha, colabora nos programas como “Kilómetro 0”, da Telemadrid e “Capital”, da Rádio Intereconomía. Guindal também é colunista do The Economist. A maior parte de sua longa trajetória profissional foi escrita no La Vanguardia, onde foi editor-chefe e colunista. É autor do livro “O declínio dos deuses”, que se transformou em um livro de referência no mercado.

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