UNO Setembro 2013

O direito ao esquecimento

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Embora a expressão direito ao esquecimento seja utilizada cada vez mais nos meios de comunicação, na atualidade não existe em nossa legislação nenhuma referência expressa a este pretenso direito. O direito ao esquecimento se refere fundamentalmente à pretensão de eliminar da rede aquela informação que, até sendo veraz, deixou de ter interesse para o público em geral.
As suposições que se incluem nesta controvertida expressão são, a título ilustrativo, as seguintes:
(i) informações sensíveis sobre uma determinada pessoa publicadas na internet pelos meios de comunicação em exercício do direito à informação (acusações de crimes, etc.), (ii) informações publicadas nas edições digitais de Boletins e Diários Oficiais por imperativo de Lei (indultos, resoluções, notificações, etc.), (iii) informação publicada por usuários da rede, de forma anônima, em exercício de sua liberdade de expressão ou (iv) informação
(imagens, comentários, etc.) publicada em redes sociais pelo próprio usuário que posteriormente quer que ela seja apagada após ser publicada na
rede social.

A Comissão Europeia incluiu pela primeira vez este direito em seu projeto de regulamentação de proteção de dados, mas a questão ainda não foi legislada
na Espanha. A regulação deste direito será, de qualquer forma, extremamente complexa. E isso porque a concretização legal que se faça do direito ao esquecimento deve ser cuidadosamente ponderada para preservar outros direitos fundamentais das sociedades democráticas, tais como o direito à informação, a liberdade de expressão ou o direito à liberdade de empresa. Estes direitos não podem ser restringidos ou cerceados de forma injustificada e devem ser um eixo fundamental no debate sobre a regulação do direito ao esquecimento.
O pretenso direito ao esquecimento pode entrar em colisão direta com o direito à informação e a liberdade de expressão. Estes direitos, que estão amparados pelo interesse público, estão presentes, por exemplo, em casos de indultos, de resoluções administrativas sancionadoras ou de publicações divulgadas mediante fontes de acesso público como são os boletins oficiais. Aquelas respondem assim a imperativos legais (o que exige a publicação dos indultos em boletins remonta a 18 de junho de 1870, mas segue vigente), por isso não deveriam atentar contra o direito à honra ou à intimidade, embora possam representar um descrédito ou afetar a reputação da pessoa envolvida.

A Comissão Europeia incluiu pela primeira vez este direito em seu projeto de regulamento de proteção de dados

05_1Pelo menos no caso dos indultos, há, além disso, outras exigências. Estes atos se caracterizam por sua excepcionalidade, pois se concebem como uma graça do governo, por isso sua transparência e conhecimento pelos cidadãos estão amplamente justificados. Outra argumentação que possui uma enorme complexidade é a referente aos conteúdos sobre procedimentos penais, já que poderia ser interpretada como, transcorrido um determinado prazo de tempo, deixando de existir por interesse geral e, portanto, eles não estariam amparados pelo direito à informação.

Embora o direito ao esquecimento não tenha sido regulado nem reconhecido como um direito substantivo, determinadas reivindicações, em relação aos buscadores da internet, exigem sua tutela pela via da proteção de dados. Estas reivindicações chegaram aos tribunais, avivando de forma significativa o interesse social por esta questão. Em 27 de fevereiro de 2012, a Audiência Nacional espanhola remeteu ao Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE) uma questão prejudicial no marco de um procedimento que colocava um cidadão contra um buscador de internet. A Audiência solicitava ao Tribunal de Luxemburgo que aclarasse até que ponto a Direção Comunitária sobre Proteção de Dados permite amparar reivindicações de particulares que desejam eliminar da internet determinadas informações relativas a sua pessoa.
Em particular, a Audiência solicita ao TJUE que se pronuncie sobre se os direitos de cancelamento e oposição (recolhidos, respectivamente, nos artigos 12.b e 14.a da Direção 95/46/CE), como se encontram configurados na legislação vigente, permitem ao interessado se dirigir frente aos buscadores para solicitar a retirada ou desindexação de informações que possam prejudicá-lo ou, simplesmente, que desejam que sejam esquecidas, embora tenham sido publicadas licitamente por terceiros. A Audiência Nacional pergunta sem rodeios ao Tribunal de Justiça se estes direitos permitem dar amparo judicial ao interessado que vê vinculada sua pessoa a fatos que carecem de relevância, mas que, ao teclar seu nome e sobrenomes em buscadores na internet, continuam a aparecer em diretórios de links que conduzem a páginas que alojam essas informações.

Para compreender a complexidade do tema, é necessário entender como funciona um buscador e o regime jurídico que lhe é aplicado. Um buscador é um complexo mecanismo de procura de páginas que tem como característica principal a de ser automático, já que seu funcionamento é puramente tecnológico. Os buscadores se limitam a refletir informação publicada em sites de terceiros (que são seus verdadeiros titulares); ou seja, não publicam a informação nem podem retirá- la ou eliminá-la, mas se limitam a indexar e mostrar a informação publicada nas páginas.

Os buscadores se limitam a refletir informação publicada em páginas de terceiros

São os titulares das páginas que podem evitar que uma determinada informação apareça na internet e, inclusive, que sua página seja indexada através dos denominados “protocolos de exclusão”. O uso destas ferramentas constitui uma forma muito efetiva de evitar que o conteúdo de um site seja rastreado pelos buscadores e, dessa forma, seja facilmente acessível aos usuários da internet. Em consequência, cabe aos donos das páginas permitir ou não a indexação dos conteúdos pelos motores de busca. Em todo caso, fazer desaparecer uma informação de um buscador não torna inacessível o conteúdo na internet, já que a informação continuaria disponível no site no qual o conteúdo é publicado e inclusive através de outros buscadores.
Além disso, os buscadores desfrutam de um regime de exclusão de responsabilidade que lhes exime de responsabilidade em determinados casos. Assim, segundo a exclusão de responsabilidade da maioria dos países, um buscador não será responsável quando não tiver “conhecimento efetivo” de que essa informação é ilícita e, caso o tenha, proceda a suprimir o link de forma diligente. Neste ponto deve ser lembrado que o artigo 15 da Direção do Comércio Eletrônico proíbe aos Estados-membros impor aos intermediários da internet, como os motores de busca, uma obrigação geral de supervisionar os dados que transmitam ou armazenem, ou de realizar buscas ativas de fatos ou circunstâncias que indiquem atividades ilícitas.

São os titulares das páginas que podem evitar que uma determinada informação apareça na internet

Além disso, poderia ser transgredida a Jurisprudência do Tribunal de Justiça da União Europeia (aqui referido como “TJUE”) em relação com o citado artigo 15. Na Sentença de 24 de novembro de 2011, no caso C-70/10 SCARLET/SABAM, o TJUE resolveu uma questão prejudicial apresentada pelo Tribunal de Apelação de Bruxelas sobre a interpretação, entre outros preceitos, do artigo 15 da Direção. Assim, o TJUE afirma que o artigo 15 da Direção 2000/31 proíbe as autoridades nacionais de adotar medidas que obriguem uma supervisão geral dos dados transmitidos em sua rede e afirma que qualquer requerimento judicial pelo qual sejam ordenadas a estabelecer um sistema de filtro que as obrigue a proceder a uma supervisão ativa do conjunto de dados seria contrário ao citado artigo 15. Adicionalmente, a citada Sentença resolve que tais medidas de filtro implicariam em uma vulnerabilidade substancial da liberdade de empresa, já que obrigaria a estabelecer um sistema complexo, oneroso, permanente e exclusivamente a suas expensas.
Até que seja resolvida a questão prejudicial apresentada perante o TJUE e que seja delimitado o conceito do direito ao “esquecimento” ou, pelo menos, o bem jurídico que protege, a tutela deste direito em potência, assim como as possibilidades de sucesso da ação indenizatória, se movimentam em terrenos de grande insegurança jurídica.

 

Carolina Pina
Sócia do escritório de Propriedade Industrial e Intelectual e corresponsável pela indústria de Media & Telecom no Escritório de Advocacia Garrigues
Licenciada em Direito pela Universidade de Alicante, Mestre em Direito Internacional e Direito Comparado pela City of London Polytechnic, de Londres e pós-graduada em Gestão de Assuntos Públicos pelo ICADE. Recebeu o título de Agente da Propriedade Industrial. Desde 1997 trabalha no Departamento de Propriedade Industrial e Intelectual do escritório de advocacia Garrigues, onde foi nomeada sócia em 2005. Ganhou o Prêmio Internacional Prix Monique da União Internacional dos Advogados (UIA) em 2009. Autora de vários livros sobre direitos de mídia e esportes. Foi recomendada pelos ranking Legal 500 e Chambers em Propriedade Intelectual, Marcas, Esportes, Tecnologia da Informação e Meios de Comunicação. [Espanha]

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