UNO Janeiro 2016

A gestão da comunicação corporativa nos litígios

013_2Quando uma empresa se vê afetada por um problema judicial de qualquer natureza tem de enfrentar um incômodo transe que, para além de seus efeitos jurídicos materiais, podem influenciar a imagem e a reputação da companhia, de acordo com maior ou menor grau de transcendência que os fatos venham a ter nos meios de comunicação e ante à opinião pública, inclusive independe dos resultados, favoráveis ou desfavoráveis, do litígio.

Em geral, a informação pública sobre questões judiciais prolifera hoje mais do que em outras épocas, transbordando a clássica seção destinada a “tribunais” dos jornais clássicos, chegando mesmo a ocupar as primeiras páginas, nos casos mais marcantes. Quando afeta as empresas, a transcendência midiática destes incidentes judiciais surpreende, por vezes, as próprias companhias, cujos responsáveis expressam sua estranheza a portas fechadas, pelo fato de que tais informações despertem o interesse da mídia. Convém não perder muito tempo neste debate interno. Por mais desproporcional que possa parecer o tratamento informativo de um assunto, são os próprios meios e não as empresas os que decidem o que pode ou não ser notícia. É inegável que os problemas judiciais das empresas – em particular, das grande companhias – despertem uma lógica atenção dos meios –particularmente dos meios de comunicação mais especializados em economia –, que, inevitavelmente, dão eco a esta informação. Estas são as regras e, como tal, temos de assumi-las. Por mais acertada que tenha sido a política de comunicação em circunstâncias anteriores de normalidade, as probabilidades de um conflito judicial que afeta uma empresa alcançar notoriedade midiática são elevadas e isto significa, quase sempre, uma “má notícia” para a empresa.

A estratégia básica do processo será determinada pelo ritmo e exigências do processo judicial e, portanto, as ações de comunicação devem estar subordinadas a este interesse processual

Nestes casos, utilizando uma expressão empregada por José Antonio Llorente, no livro O Oitavo Sentido, resulta inútil tentar “converter um incêndio em um show de fogos de artifício” e tentar transformar esta má notícia em uma notícia positiva e mais ainda, tentar ignorá-la; sempre será melhor dedicar-se, diligentemente, à tarefa e tentar extinguir, o mais rapidamente possível, o incêndio causado para, ao menos, minimizar seus efeitos potenciais sobre a reputação da companhia. Então será necessário organizar e dispor de equipes especializadas e dedicadas à resolução do problema, de modo que sua gestão e resolução interfira o mínimo possível no curso normal dos negócios. Como é óbvio, é essencial contar com bons advogados, capazes de lidar juridicamente com o litígio com êxito e sucesso; mas também será necessário envolver especialistas com expertise em comunicação nesta tarefa, de modo que estes possam definir a estratégia a ser desenvolvida, segundo as circunstâncias do caso. Em última análise, trata-se de lidar, paralela e simultaneamente – e de forma consistente e coerente – tanto o processo judicial quanto o julgamento da mídia. Será normal um certo grau de tensão entre as necessidades de discrição ou silêncio sobre os processos judiciais geridos pelos advogados e a conveniência de informar, que muitas vezes é proposto pelos responsáveis pela comunicação. Sem dúvida, a estratégia básica do processo será determinada pelo ritmo e exigências do processo judicial e, portanto, as ações de comunicação devem estar subordinadas a este interesse processual; mas sem esquecer que qualquer que seja a estratégia de comunicação que decida ser implementada – ativa ou reativa –, uma comunicação transparente, rigorosa e fundamentada na empresa é uma condição mínima para o sucesso: se os argumentos utilizados por um advogado no julgamento são realmente legítimos e convincentes diante de um juiz, estes devem ser transmitidos e deveriam ser percebidos como tal pela opinião pública.

013_1Por um lado, porque, mesmo supondo a independência do poder judicial, não há como negar que a informação influencia, de uma forma ou de outra, no contexto e no desenvolvimento do processo judicial e, que portanto, a gestão da comunicação pode contribuir para o bom fim do litígio. Uma percepção pública negativa no julgamento midiático pode influenciar no processo judicial; talvez não tanto nos seus resultados jurídicos quanto nas consequências destes sobre a imagem e a reputação da empresa, mesmo que esta alcance uma decisão judicial favorável. Não é de se estranhar por isso que, às vezes, em certas ocasiões, aquela parte que se sente menos segura da solidez de suas reivindicações legais intensifique seus esforços de comunicação para influenciar a opinião pública e tentar obter através deste, ou através de um desfecho judicial, – ou talvez extrajudicial –mais benéfico.

Além disso porque, atualmente, temos que partir da premissa de que tudo o que acontece em um processo judicial pode chegar a ser conhecido. Assegurar a divulgação dos processos judiciais é um traço distintivo da atuação de uma justiça democrática em um Estado de Direito, que torna visível e fiscalizável o poder; e, neste contexto, o acesso da imprensa às informações não representa qualquer privilégio injustificado, mas um direito reconhecido em virtude da função social que esta cumpre. É certo que a divulgação do processo judicial não é absoluta, pois conta com restrições tão excepcionais quanto legítimas; no entanto, seria ingênuo ignorar que, nos dias de hoje, mesmo essas restrições são oprimidos pela dinâmica da informação pública e não é incomum, por exemplo, que as partes do processo de mudança cheguem aos meios de comunicação pelos próprios interesses contidos aos que tiveram acesso a essa condição e que isso resulte favorável, ou mesmo que, quebrando-se o segredo judicial, por sorte a imprensa tenham acesso aos dados ou documentos confidenciais contidos no processo, mesmo antes das próprias partes.

Não há como negar que a informação influencia no contexto e no desenvolvimento do processo judicial e que, portanto, a gestão da comunicação pode contribuir para o bom fim do litígio

E, finalmente, entre outras razões, porque a estrutura do processo judicial, sua tramitação, seu conteúdo, sua linguagem própria… resultam complexas para a opinião pública em geral; e, portanto, o risco de descontextualização – casual ou interessada – ou por uma incorreta interpretação só pode ser neutralizada mediante um esforço de comunicação verdadeiro e, por vezes, com franca vocação didática. Não é necessário mencionar a este respeito as discussões semânticas sobre o significado da condição de “imputado” em um processo penal ou se esta condição implica uma maior garantia processual ou defeito preliminar de culpabilidade. É também muitas vezes frequentes ler ou ouvir no noticiário, notícias de um processo judicial sobre fatos apresentados como definitivos e que, no entanto, simplesmente correspondem a relatórios ou posições de qualquer uma das partes ou de peritos a quem os processos judiciais conferem um alcance meramente temporário. Estes desvios informativos apenas podem ser combatidos a partir de uma melhor comunicação e transparência da empresa, que deve contar com um porta-voz que não apenas atue como um ponto de referência para os meios, mas que, a partir da sua formação e experiência, colabore com estes na adequada contextualização e interpretação do desenvolvimento e resultados do processo, a partir do ponto de vista dos interesses da própria empresa.

Joaquín Mollinedo
Diretor-geral de Relações Institucionais da ACCIONA
Licenciado em Direito pela Universidade Complutense de Madri, com prêmio extraordinário por sua carreira. Setor público: advogado e secretário-geral do Parlamento de La Rioja e da Assembleia de Madri; advogado-chefe da Seção de Estudos do Conselho Geral do Poder Judiciário. Professor de direito público e constitucional nas Universidades de Zaragoza, Carlos III e San Pablo CEU. Setor privado: diretor de Relações Institucionais da Amena e Auna; secretário-geral do Conselho de Administração da Orange; secretário-geral do grupo Vocento. Atualmente é diretor-geral de Relações Institucionais do grupo Acciona. [Espanha]

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