UNO Novembro 2019

Inteligência artificial e comunicação: um desafio mais além da tecnologia

Em 1994 tive o meu primeiro contato com um sistema que passava (folgadamente) o Teste de Turing para ser considerado Inteligência Artificial. Num dos laboratórios de programação de Teleco (engenharia de telecomunicações), desde Emacs e após um M-x doctor, iniciava a minha primeira conversação com Eliza, o primeiro sistema conversacional inteligente e autónomo, desenvolvido em 66, quase 30 anos antes. Hoje, lhe chamaríamos chatbot. Foi a primeira, e quase a única vez que falamos de Inteligência Artificial em termos práticos em toda a carreira. Naqueles tempos, a IA não gozava do nível de credibilidade e desenvolvimento necessários para ser utilizada em sistemas de produção real.

Hoje o cenário é muito diferente: os sistemas que baseiam (em parte ou totalmente) o seu funcionamento em Inteligência Artificial são omnipresentes. A hiper-abundância de dados, a disponibilidade de potências de cômputo que seguiram, milimétricamente, as previsões de Moore e novos métodos algorítmicos, tornaram-no possível. O avanço no desenvolvimento de técnicas como os deep fakes (vídeos hiper-realistas de pessoas, gerados por técnicas de aprendizagem automatizada profunda), que conseguem resultados cada vez mais surpreendentes a partir de um menor número de amostras, são apenas um dos exemplos de uma Inteligência Artificial cujo avanço no tempo é exponencial; além disso, gera reações que vão da fascinação ao medo, ou ambas ao mesmo tempo, fazendo com que cenários distópicos concebidos em filmes de ficção científica em que o mundo passa a estar dominado pelas máquinas pareçam um pouco menos impossíveis.

“As fronteiras serão mais  difusas, e o mundo artificial e o mundo natural serão o mesmo”

Em breve, se se cumprem as previsões de Nicholas Negroponte, co-fundador do legendário Media Lab do MIT, as fronteiras tornar-se-ão mais difusas, e o mundo artificial e o mundo natural serão o mesmo. Enquanto essa nova realidade chega, a incorporação massiva da Inteligência Artificial à prática totalidade dos aspetos do nosso quotidiano coloca-nos, aos profissionais da comunicação e do marketing, uma série de desafios a que é imperativo fazer frente, e entre os quais, em minha opinião, convém prestar especial atenção aos seguintes.

A GESTÃO DA CONVERSAÇÃO ARTIFICIAL

Quando, todavia, existem muitos cenários em que a disrupção comunicacional que representou o salto da mensagem para a conversação ainda não foi totalmente interiorizado, a aplicação massiva dos sistemas conversacionais autónomos de última geração (chatbots e assistentes virtuais) introduz-nos numa disrupção de igual ou maior calibre. Segundo uma sondagem realizada por Spiceworks, 40 % das empresas americanas com mais de 500 empregados terão incorporado chatbots ou assistentes virtuais em 2019. Num novo cenário, em que parte da conversação de uma marca com os seus públicos de interesse é dominada pela Inteligência Artificial, o papel que os profissionais da comunicação e do marketing devem jogar na sua adoção e implantação não é somente fundamental, como deveria ser protagonista.

“Em tempos de mudanças vertiginosas que se sucedem a toda velocidade, a capacidade para nos anteciparmos ao futuro tem o potencial de se converter no autêntico fator diferencial”

NOVAS AMEAÇAS REPUTACIONAIS: DESINFORMAÇÃO E SUPLANTAÇÃO DE IDENTIDADE ARTIFICIAL

Aplicando técnicas de deep learning, a partir de uma amostra de voz de uma pessoa de apenas alguns segundos de duração, é possível sintetizar artificialmente longas mensagens, em que diferenciar a voz real e a sintetizada se torna complicado. Nem sequer é necessário adquirir custosas licenças de software: podemos fazê-lo com aplicações open source. Há apenas algumas semanas, era conhecido o primeiro caso de uma fraude realizada mediante uma chamada telefónica, sintetizando digitalmente a voz do CEO de uma companhia britânica do setor da energia. Realizar algo similar no âmbito do vídeo está a alcançar tais níveis de sofisticação e aperfeiçoamento, que é apenas uma questão de tempo (provavelmente não demasiado) para que a inteligência humana, sem assistência artificial, não seja capaz de diferenciar a realidade natural da realidade artificialmente sintetizada. Estes novos usos da Inteligência Artificial possibilitam uma nova gama de ataques à imagem e à reputação de uma organização e aos seus diretivos, com um impacto potencial devastador, e para os quais os profissionais da comunicação devemos estar alerta e convenientemente preparados para atuar.

A ANTICIPAÇÃO COMO FATOR DIFERENCIAL GRAÇAS À INTELIGÊNCIA PREDITIVA

Em que momento um risco reputacional se transformará numa profunda crise? Como posso prever as tendências que mudarão as regras do jogo para o meu setor? A aplicação de técnicas de modelagem preditiva e machine learning baseadas em grandes volumes de dados torna possível previsões com intervalos de confiança cada vez mais precisos, em diferentes tipos de cenários. Segundo um estudo realizado por Stratistics MRC, o mercado global da analítica preditiva superará os 8000 milhões de dólares em 2019. Em tempos de mudanças vertiginosas que se sucedem a toda a velocidade, a capacidade para nos anteciparmos ao futuro tem o potencial de se converter no autêntico fator diferencial.

A era da Inteligência Artificial chegou, e promete transformações profundas no mundo que conhecemos, similares ou até superiores às que no seu dia nos trouxeram a Internet e os smartphones. Aqueles que não saibam adaptar-se correm o risco de desaparecer. Para aqueles que decidam abraçar a Inteligência Artificial, um novo universo de oportunidades fascinantes está prestes a nascer.

Miguel Lucas
Data Business Leader de LLYC
Data Business Leader de LLYC. Licenciado em Engenharia de Telecomunicações. Trabalhou 10 anos no desenho, fabrico e lançamento no mercado de buscadores de âmbito corporativo, redes abertas e deep web. Especializou-se no desenho de algoritmos de ranking para motores de pesquisa, e no processamento da linguagem natural automatizada. Em 2008 põe em marcha Acteo, empresa desde a qual colaborou com LLYC no desenho e implantação de diferentes tipos de soluções, como o BEO e o MRO da área Digital, e participou na execução e posta em marcha de múltiplos projetos de desenvolvimento da identidade digital. Atualmente, exerce as funções de Data Business Leader para desenvolver estratégias de exploração de dados e métricas que proporcionem valor à reputação e ao negócio dos clientes.

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