UNO Agosto 2013

Buscam-se policratas e tecnolíticos

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Em um momento de máxima precariedade econômica surge sempre um apelo popular contrário aos políticos.

Tal como aconteceu nos Estados Unidos no começo de 1930. Em plena Grande Depressão, os indignados cidadãos se enfureceram com a classe política daquela época por considerá-la a última culpada pelo desastre.

Daquela frustração coletiva surgiu o Movimento Tecnocrático, fundado em Nova Iorque pelo engenheiro Howard Scott e o geofísico Marion King Hubbert. Em uma sociedade dominada pelo progresso tecnológico, propunham afastar os políticos e deixar o governo nas mãos de especialistas técnicos e cientistas.

Durante seus primeiros meses, o movimento provocou furor nos meios de comunicação, tanto que serviu para popularizar o termo “tecnocrata” até hoje. Mas isso logo terminou, assim que os tecnocratas expuseram as suas propostas: a sociedade que eles propunham estava estruturada ao redor das regras da física e da termodinâmica. Isso, por exemplo, supunha eliminar o dinheiro e substituí-lo pela quantidade de energia necessária para produzir um bem. O seu mundo ideal também não era compatível com a democracia. Nele, valores como a liberdade ou a justiça estavam sujeitos a sua utilidade científica.

O movimento tecnocrático se desintegrou tão rápido quanto surgiu. A chegada ao poder de Franklin Roosevelt em 1933, e a adoção de inovadoras medidas econômicas e sociais, o New Deal, demonstraram que o caminho para a prosperidade era outro: Era traçado pela política.

O tecnocrata como gestor imparcial não existe: é um mito que é passível de várias interpretações, ao gosto de cada preferência ideológica

É evidente que os tecnocratas que hoje se vangloriam para enfrentar a atual crise econômica estão muito longe de levantar a bandeira das extravagantes propostas de oito décadas atrás. Mas o episódio serve para lembrar-nos do caráter insubstituível da política. A política é quem se encarrega de canalizar a vontade dos cidadãos, de preservar valores como a liberdade, a igualdade ou a solidariedade, e de buscar o consenso entre partes em confronto. Um simples técnico não diferencia a utilidade desses princípios.

08Dito isto, fica claro que muitos de nossos políticos atuais demonstram sério desconhecimento da gestão. Os governos costumam ser regidos por princípios contábeis que pretendem evitar que seus gestores roubem o dinheiro público, mas que não garantem que o mesmo seja gasto indevidamente. Os políticos costumam ser especialistas em contrabalançar o custo da oportunidade, mas não conseguem calcular os custos de exploração. E é nesse caso em que os técnicos são imprescindíveis.

Mas isto não deveria fazer com que exaltemos o tecnocrata. Como bem explicou o cientista político francês Jean Meynaud, é um mito tão elástico que é passível de infinitas interpretações, ao gosto da posição ideológica de cada um: Um conservador enalteceria o militar vitorioso no campo de batalha como sendo o mais apto para conduzir os destinos da nação. E um progressista exaltaria um físico nuclear que, respaldado pelas suas grandes descobertas, se transformou em um fervoroso antimilitarista. E ambos estariam defendendo a sua visão particular da tecnocracia.

No contexto atual, o tecnocrata que hoje monopoliza as manchetes seria um gestor que encarna uma racionalidade desprovida de qualquer preferência ideológica. A sua imagem corresponderia ao de um engenheiro com MBA em Harvard ou Stanford que, respaldado pelo seu grande sucesso no comércio e nas finanças, saberia como ninguém conduzir um país.

Mas essa visão do tecnocrata perfeitamente neutro não resiste a uma análise objetiva: O exercício do poder público é incompatível com a mais fria racionalidade administrativa. Como escreveu John Maynard Keynes, “os melhores economistas não podem esquecer que por trás dos indicadores se encontra a realidade das relações sociais e as lutas de grupos com interesses antagônicos”. Qualquer decisão na gestão do Estado leva no seu interior evidentes implicações políticas e, consequentemente, requer essa sensibilidade.

Os políticos costumam ser especialistas em analisar o custo de oportunidade, mas não conseguem calcular os custos da exploração. Para isso os técnicos são imprescindíveis

O episódio inicial sobre o Movimento Tecnocrático encontra uma ilustração corolária na reunião que Roosevelt e Keynes mantiveram em 1934 na Casa Branca. Era a primeira vez que se viam, e ambos saíram decepcionados: O político norte-americano reclamou que Keynes lhe apresentou “uma confusão de valores”, enquanto o tecnocrata britânico comentou desiludido que “gostaria que Roosevelt fosse uma pessoa mais instruída em questões econômicas”.

Em longo prazo, Roosevelt terminaria por ser guiado pelos conhecimentos de Keynes e, enquanto o norte-americano tinha as rédeas, colocou a gestão da sua política nas mãos de quem melhor sabia aplicar as teorias do britânico. O New Deal foi um grande exemplo de como a política e a tecnocracia podem e devem complementar-se.

O debate, portanto, não é sobre preferir tecnocratas ou políticos. O debate é de que maneira podemos exigir dos políticos que saibam governar com eficácia. E também, de que maneira conseguimos fazer com que os técnicos adquiram consciência política. Quando consigamos isso, todos sairemos ganhando.

Joaquín Fernández
Especialista em comunicação e ex-diretor de gabinete da Ministra de Defesa da Espanha
Formado em Administração de Empresas pelo ICADE e Mestre em Jornalismo pelo El País, foi editor do The Wall Street Journal em Nova Iorque durante cinco anos antes de se dedicar à comunicação corporativa e institucional. Foi diretor de comunicação financeira na LLORENTE & CUENCA e durante três anos trabalhou para a ex-ministra de Defesa da Espanha, Carme Chacón, primeiro como assessor e finalmente como Diretor de Gabinete. É professor em vários Mestrados, entre os quais o Curso de Comunicação Institucional e Política da Universidade Carlos III. @joaquinfdez

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