UNO Agosto 2013

Tecnocracia ou política? Reputação, transparência e liderança

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Não estamos diante de uma crise, mas sim diante de uma mudança estrutural do sistema capitalista tal como o conhecemos. Não haverá uma recuperação das formas nem valores anterior a 2008. Os que continuarem pensando nesse sentido não entenderão as tramas da mudança. Explicitamente a indústria financeira, o setor bancário e o mundo dos seguros devem mudar o seu modelo de negócio e de direção para enfrentar o desafio de ser transparentes e administrar a sua Reputação. Precisamos de uma inovação transformacional, uma espécie de ruptura na forma de entender o capitalismo global.

Neste momento, a classe política não tem demonstrado estar à altura da mudança nem de poder liderá-la. Seja pela falta de legitimidade de alguns governos, pelo populismo agressivo de outros ou pela falta de consenso, o sistema político se tornou entediante. Qualquer pesquisa de opinião pública corrobora o descontentamento da cidadania pela classe política e pelos partidos, que, mais por inatividade do que por atividade, lideraram essa transformação. Além disso, o apelo em favor do retorno da regulamentação nacional é outra solução parcial. A crise deixou claro que não é possível legislar uma transformação que se desenvolva em tempo real e em escala mundial. Embora queira, a classe política não poderia resolver a crise na base do decreto.

É incoerente que o crescimento do valor da ação seja premiado às custas da destruição de valor em longo prazo

Por essa razão, adquire peso a ideia de que a economia e a empresa devem revisar os modelos de gestão e avaliação dos resultados das organizações financeiras e das companhias. Não devemos nos surpreender, então, de que seja uma questão recorrente nas manchetes econômicas de referência internacional e nas escolas de negócio de maior prestígio. Os novos padrões de gestão e desenvolvimento da cidadania corporativa devem sair desse debate. Não podemos esperar.

Em síntese, e se tivesse que resumir a conceituação do problema do momento atual utilizando conceitos mais habituais no mundo da gestão diretiva, as carências atuais, e não somente no mundo da política, mas também no mundo corporativo e financeiro, diria que se relacionam à ausência de Liderança, de Transparência e de Reputação.

A queda de instituições poderosas e a ficção da engenharia financeira conduziram ao fracasso das estratégias baseadas exclusivamente na responsabilidade social como ferramenta do projeto de marketing “green washing” ou “social washing”, ou seja, a superficial troca de imagem da questão ambiental ou social sem um compromisso de alinhamento do negócio para a criação de um valor compartilhado com seus Stakeholders críticos.

O Capitalismo da Reputação oferece duas ferramentas para impulsionar a mudança e favorecer um novo modelo de gestão empresarial: sustentabilidade e transparência

Felizmente, já há alguns bancos europeus que começam a repensar o seu modelo de negócio e de ganhar dinheiro –como sugeriu Jorge Cachineo e Axel Gietz em seu recente ensaio “Held to Account with Nothing to Bank On Anymore. The Reputational Freefall of the Financial Services Industry: Why It Is Unprecedented and How It Might Be Reversed” publicado pelo d+i LLORENTE & CUENCA– e estão questionando e, inclusive, fechando aquelas unidades de negócio associadas a atividades de alto risco e voltam ao velho modelo de sistema bancário como financiador de projetos industriais, empresariais, comerciais e familiares de longo prazo.

Nesse contexto, parece oportuno pensar que precisamos (i) de novas ferramentas de direção que permitam a reorganização das prioridades, (ii) da reformulação do modelo de negócio focando-se nele em longo prazo e de como se ganha dinheiro legitimamente com ele, (iii) da geração, captação e disseminação das novas ideias, (iv) da retenção do talento, (v) da proteção dos recursos naturais e, por último, (vi) do compromisso com as sociedades nas quais opera. É uma questão que vai além da comunicação e entra no terreno da definição da estratégia. É trabalhar para a chamada Quíntuple Cuenta de Resultados (no Brasil, conhecida como Avaliação de Estratégia Tripla) e não somente, por mais importante que seja e que é, para a Econômico-Financeira.

A ECONOMIA DA REPUTAÇÃO

Os manuais de administração de empresas nos lembram de que aquilo que não pode ser medido, que não pode ser melhorado, em breve, não poderá ser administrado. Porque, na prática, a medição de resultados reflete os interesses reais das companhias na medida em que as consequências das decisões que vão sendo tomadas são premiadas ou castigadas.

Por isso, é incoerente que o crescimento do valor da ação seja premiado à custa da destruição de valor em longo prazo. Esse valor é amparado pela boa gestão dos processos e pelas operações de negócio, mas, principalmente, é fundamentado na gestão da Credibilidade, da Reputação e da Marca, ou seja, os ativos intangíveis do negócio que, a cada dia, especialmente, depois do impacto devastador de “A Grande Recessão”, são os mais valiosos das organizações. Nenhum membro da alta direção de companhias ou organizações financeiras como a Goldman Sachs, a Toyota ou a British Petroleum discutiria esta afirmação. Seria difícil localizar os membros da Enron ou da Arthur Andersen para perguntar-lhes a sua opinião, mas seria interessante.

O Capitalismo da Reputação oferece duas ferramentas para alavancar a mudança e favorecer um novo modelo de gestão empresarial. A primeira é a Sustentabilidade, ou seja, a criação de uma relação econômica que se mantém por si só e que gera riqueza em longo prazo. A segunda, a aposta na Transparência como um processo que revele os interesses da companhia para garantir o seu rendimento perante os acionistas e a sociedade. Falaremos dessa segunda ferramenta em outra oportunidade.

SUSTENTABILIDADE E NEGÓCIO

9Durante vários anos, vimos como as empresas empregaram essa palavra mágica, Sustentabilidade, como um elemento a mais do marketing social. Os produtos verdes ou as atitudes responsáveis para com o meio ambiente eram visíveis nas memórias de responsabilidade.

Mas esta visão reducionista da Sustentabilidade tem os seus dias contados. Não é esse o caminho para a promoção das companhias: A Sustentabilidade se baseia no estabelecimento de uma relação duradoura e estável com o meio ambiente. Consiste na criação de novos modelos de negócios que sejam inclusivos, que gerem valor para todos os Stakeholders e que produzam benefícios a longo prazo.

Michael Porter e Mark Kramer escreveram sobre essa nova tendência na Harvard Business Review (“Creating Shared Value”). Os autores consideram que para sair da crise é preciso criar novas oportunidades de negócio mediante a redefinição da produtividade e da cadeia de valor dos negócios. Não faz sentido que as empresas afoguem o meio no qual se desenvolvem. O que devem fazer é buscar produtos mais saudáveis, utilizar energias mais limpas e reduzir as externalidades negativas. A Sustentabilidade é a geração de valor em longo prazo e o crescimento em novas áreas de negócio em detrimento de outras. Não existe uma fórmula universal, embora pareça que duas alternativas abram caminho. Por um lado, está o movimento internacional slow que defende um ritmo de vida mais tranquilo. A alimentação, os investimentos, a arquitetura ou o urbanismo podem diminuir o ritmo e ser melhor adaptados às necessidades sem viver permanentemente na ansiedade da última hora. Por outro lado, já se fala do capitalismo de aproximação, aquele que integra a cadeia de valor dos produtos, distribuidores e consumidores para a promoção do desenvolvimento local. As empresas de distribuição aproveitaram essa demanda para criar novos produtos e mercados vinculados a valores sustentáveis.

A melhora da governança, a demonstração do compromisso com a sociedade e a padronização dos relatórios de gestão em médio prazo são ideias concretas para o bom governo corporativo e para o apoio à economia da Reputação

Neste contexto, a Reputação é o reconhecimento por parte dos Stakeholders de um negócio no qual a sua proposta de valor compartilhado em longo prazo tem credibilidade, é realmente compartilhada, é transparente e merece ser apoiada. A melhora da governança, a demonstração do compromisso com a sociedade e a padronização dos relatórios de gestão em médio prazo são ideias concretas para o bom governo corporativo e para apoiar a economia da Reputação. As organizações que primeiro liderarem essa mudança estratégica poderão reposicionar-se, reduzir os trade-offs na tomada de decisões e estar orientadas para os objetivos mais benéficos para os Stakeholders. Será uma vantagem competitiva quando a companhia integre os valores em seu projeto empresarial e comprometa recursos: A Reputação não pode ser copiada nem se perde com a administração dos dirigentes. É uma decisão que determina o comportamento e a gestão das operações. Portanto, a Reputação é uma estratégia de crescimento.

Vamos sair da crise. Temos esta convicção. Mas também sabemos que precisamos de uma alternativa de crescimento e uma concepção estratégica diferente. E, novamente, a obtenção dessa almejada Reputação, tal como o Cálice Sagrado corporativo, deve fazer parte das disciplinas prioritárias da Alta Direção de uma organização empresarial ou instituição financeira –seu Conselho de Administração ou seu Comitê Executivo– e a seu serviço devem ser atribuídos os recursos, humanos e financeiros, comensuráveis com o desafio assumido e o progresso dirigido a consecução deve ser medido com precisão, sobre a base de expressões e realidades e sem concessões para com a complacência ou a vaidade.

Jorge Cachinero
Diretor Sênior de Reputação, Inovação e Desenvolvimento Corporativo da LLORENTE & CUENCA
Diretor Sênior de Reputação, Inovação e Desenvolvimento Corporativo na LLORENTE & CUENCA e Professor na IE Business School de Madrid, centro onde obteve seu MBA Executivo. Desde 1999, até a sua incorporação na Consultoria no começo de 2011, Jorge foi Diretor de Assuntos Corporativos e Comunicação para a Península Ibérica (Espanha, Portugal, Andorra e Gibraltar) da Japan Tobacco Internacional.  Anteriormente, foi Diretor de Relações do Governo e de Assuntos Públicos da Ford Motor Co. e Secretário do seu Conselho de Administração para a Espanha e Portugal. @Jorge_Cachinero
Juan Luis Manfredi
Professor de Jornalismo na Universidade de Castilla-La Mancha
Professor de Jornalismo na Universidade de Castilla-La Mancha e colaborador do jornal econômico Cinco Días. É o principal pesquisador do projeto Mediadem na Espanha, que, financiado pela Comissão Europeia, examina as políticas de comunicação e a democracia em quatorze países europeus. Recentemente, foi autor e co-editor do livro “Desafios da nossa acção exterior: Diplomacia pública e Marca Espanha“, publicado pelo Ministerio de Assuntos Exteriores e Cooperação e pela Escola Diplomática (Espanha). @juanmanfredi

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