UNO Junho 2014

A silenciosa Revolução Energética

02_2É de imprescindível leitura o artigo (6/9/2013) da Fundação para a Análise e Estudos Sociais (FAES), vinculada ao Partido Popular, intitulado “Implicaciones geopolíticas de la independencia energética de los Estados Unidos”. O trabalho, assinado por três especialistas como Pedro Mielgo, Presidente de Nereo GreenCapital; Florentino Portero, professor de história contemporânea da UNED; e Gerardo del Caz Esteso, engenheiro industrial e especialista em política energética, salienta a grande novidade, quase imediata, no novo equilíbrio geoestratégico: Os Estados Unidos, a grande potência junto com a China, deixarão para trás sua dependência energética aproximadamente em 2020 e os pedágios econômicos e políticos que isso comporta.

Os Estados Unidos são o segundo consumidor de energia do mundo (8% do seu PIB) com um gasto energético por habitante de 4 000 dólares em 2010. No final da década passada, esse país chegou a importar até 60% de seu consumo interior. A partir de 2025, a grande potência estará em condições de exportar mais combustíveis fósseis dos que importará e poderá transformar-se num grande exportador de gás. Segundo os autores deste estudo, há uma férrea vontade política após esta espécie de revolução silenciosa, mas também há uma tecnológica: a fratura hidráulica (fracking), que consiste em injetar água e componentes químicos, a altíssima pressão, para romper as rochas que contêm abundantes reservas de gás de xisto e, eventualmente, petróleo. As autoridades norte-americanas e a própria sociedade do país, ainda conscientes dos custos ambientais desta tecnologia extrativa, assumem-na para obter a autossuficiência energética, que alterará a política internacional com particular incidência em áreas conflituosas do planeta, como o Oriente Médio, cenário no século passado e neste de enfrentamentos bélicos, amplos e localizados, nos quais o fator energético foi uma variável de extraordinário peso decisório. Os Estados Unidos já estão reduzindo aceleradamente o consumo de petróleo procedente desta região.

A suficiência energética dos Estados Unidos está prevista para 2020 e implicará uma mudança econômica e geopolítica radical que incidirá na Europa.

A China se comportará, consequentemente, como o principal consumidor-importador energético e a Europa dependerá – excluída a possibilidade de autossuficiência – dos Estados Unidos numa média muito superior à atual, o que lhe permitirá também reduzir sua dependência do Oriente Médio de modo que a autêntica revolução, segundo os autores do citado trabalho, “se dará no hemisfério ocidental com a autossuficiência americana e a diversificação de fontes de produção que significará para a Europa”. Os Estados Unidos, assim, disporão de um novo motor de crescimento econômico – não sem problemas – que levará a uma mudança de cenário mundial: serão o primeiro produtor de gás do mundo; um dos maiores produtos de petróleo e disporão de mais recursos econômicos que outros países para abastecer-se nos mercados internacionais. Não só isso: “terão a indústria de extração mais avançada e inovadora de hidrocarbonetos com empresas competitivas e com tecnologias praticamente exclusivas”. Os norte-americanos, além disso, continuam dispondo de amplas reservas de carvão e apostando na energia nuclear e pelas renováveis.

A técnica extrativa do fracking deu aos EUA nada menos que 600 000 empregos e 76 bilhões de dólares ao PIB, de modo que os europeus não podem obviar esta nova realidade.

Esta situação foi qualificada pelo prestigioso analista espanhol em questões internacionais, Darío Valcárcel (ABC de 12/9/2003), como o “momento transformador”, enquanto outro analista – neste caso financeiro – Daniel Lacalle (El Confidencial.com) advogava num já célebre artigo por “Fracking sí, por favor”, aduzindo que a proibição desta técnica extrativa seria um suicídio, porque implementá-la faria com que a Europa economizasse nada menos que 900 bilhões em seu objetivo de reduzir importações e emissões de CO2. Não só isso: sucederia algo parecido com o acontecido nos EUA, onde se criaram 600 000 postos de trabalho e se contribuiu com 76 000 para o PIB. Segundo Lacalle – em versão não desmentida – “na Espanha temos importantes reservas de gás de xisto, concentradas em regiões afetadas por um desemprego de cerca de 30%”, e conclui com lógica esmagadora de que o “custo da energia é o principal”. Uma das chaves da questão talvez consista na explicação – que junto com outras – oferecia o financista Marc Garrigasait (El Confidencial.com de 4/12/2013): “os europeus são muito mais conservadores que os norte-americanos e, no caso do fracking, um cidadão do Velho Continente, perante a dúvida de possíveis riscos ambientais, prefere não iniciar o processo. É justamente o contrário nos Estados Unidos, onde dificilmente se dão as costas a um projeto que seja economicamente rentável. Se, além de rentável para o setor privado, for estratégico para o país, então desaparecerão as dúvidas por completo”.

 

02Na Europa – afligida com um gravíssimo desnorteamento energético na composição de seu mix, com altas retribuições às renováveis, às quais se deu prioridade no acesso ao sistema e, consequentemente, com um encarecimento de sua tarifa, tanto doméstica quanto industrial – os titubeios ante a indagação de novas técnicas de extração como o fracking são contínuos. O Reino Unido ofereceu 64% de seu território (uma centena de licenças) para empregar esta tecnologia e procurar gás (El País de 18/12/2013), enquanto na Espanha as comunidades autônomas se recusam a conceder autorizações extrativas. Os preços da energia, no entanto, “aceleram o declive industrial da UE”, como comentou com grande maestria Mariano Marzo, catedrático da Universidade de Barcelona em La Vanguardia de 17/11/2013, explicando como na União Europeia o gás industrial é três vezes mais caro do que nos EUA e a eletricidade, o dobro.

 

A constatação de que a Europa fez uma aposta cara e problemática pelas energias limpas está levando empresas e governo ao que o analista empresarial e financeiro do jornal El País, Miguel Ángel Noceda, denominou “el fracking de la discordia” (8/9/2013), pois as consequências ambientais desta técnica começam a mobilizar amplos coletivos. Na Espanha, não só na Catalunha, mas também em Cantábria – região em que supostamente poderia haver uma abundância de gás de xisto, da mesma forma que em Castela e Leão e no País Basco, apesar de não existirem ainda comprovações conclusivas – as discordâncias com estas técnicas consideram-se muito altas devido ao seu impacto ambiental.

Apresenta-se um desafio com interesses agora contraditórios: a extração energética por fracking e a sustentabilidade ambiental do planeta. É um grande desafio que os norte-americanos já resolveram.

Esta é, portanto, a silenciosa revolução energética – não alcançou ainda debates de opinião pública majoritários – que incidirá sobre os sistemas de extração em países emergentes com grandes fontes de recursos energéticos fósseis, que alterará o equilíbrio geoestratégico planetário, que dividirá ainda mais a hegemonia econômica mundial (EUA e China e, bem atrás, a Rússia) e que obrigará a Europa a repensar suas prioridades e o modo de pô-las em práticas, especialmente sua política no âmbito das renováveis, da energia nuclear (a Alemanha deu uma virada enquanto a França continua sendo um país nuclearizado) e os mix energéticos dos países da União. Estamos perante um desafio de grande porte em que se joga com interesses até agora contraditórios: a obtenção de energia e a sustentabilidade ambiental do mundo. É um grande desafio.

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