UNO Junho 2014

O "software" e o "hardware" da economia

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Quando se perguntava a um economista por que um país é mais rico do que outra, este citava os denominados fatores da produção: o país ter capital físico (recursos naturais), capital humano (boa educação), capital tecnológico (I+D+i), capital financeiro (reservas) e boa geografia (não dá na mesma ser um deserto e ter amplas costas). Isso se pode denominar o hardware da economia Nos últimos anos, a essa versão sobre a situação de um país os economistas acrescentaram o software, que é a qualidade do marco normativo: ter boas instituições. Um dos últimos livros de referência publicados sobre este assunto é o de Acemoglu e Robinson, tantas vezes citado (Porque as nações fracassam, pela editora Elsevier).

A América Latina é composta de três regiões diferentes: América do Sul, América Central e Caribe. Muito mais na primeira região que nas outras duas (apesar de a tendência servir para o conjunto) na última década sentiu-se um processo muito significativo de mobilidade social. Em termos gerais, esse processo tem três características complementares: primeiro, a pobreza moderada diminuiu de mais de 40% da população para cerca de 30%; segundo, a maioria dos pobres que ascenderam não se integrou diretamente na classe média, mas passaram a formar parte de um grupo situado entre os pobres e a classe média, que o Banco Mundial qualificou como a “classe dos vulneráveis” e que nestes momentos constitui a classe social mais numerosa da região (é uma classe mais instável porque, dependendo da conjuntura, seus componentes voltam para a classe baixa ou se instalam na classe média). Por último, a classe média cresceu muito: de 100 milhões de pessoas em 2000 a mais de 150 milhões na atualidade.

A posse dos recursos deve complementar-se com a fortaleza das instituições que os exploram.

Entre as razões dessa intensa mobilidade social adquire uma especial importância o capital físico, os recursos naturais que possui; entre elos, um terço das reservas de água doce e 12% da superfície cultivável do mundo; um terço da produção mundial de bioetanol, cerca de 25% de biocombustíveis e 13% de petróleo, 65% das reservas de lítio, 49% das de prata, 44% das de cobre, 33% das de estanho, 32% de molibdênio, 26% de bauxita, 23% de níquel, 22% de ferro e 22% das de zinco, 48% da produção social de soja, 21% da superfície de bosques naturais, abundante biodiversidade, etc.

 

05A exploração desta riqueza, que outras regiões do mundo que carecem dela tanto procuram, requer melhorar outras fraquezas da região: os países deparam-se com o desafio de captar e investir eficientemente as rendas extraordinárias obtidas pelos recursos naturais, com critérios de sustentabilidade social (por manterem os extraordinários níveis de desigualdade) e ambiental (cresce sensibilidade em todo o território perante os efeitos das mudanças climáticas). E é aqui onde aparece de novo o software da economia da região, as instituições. Segundo a Comissão Econômica para a América Latina e Caribe (CEPAL), organismo das Nações Unidas, a América Latina requer também um fortalecimento institucional para conseguir pelo menos quatro objetivos: uma maior progressividade na participação do Estado na captação de rendas por exploração de recursos naturais durante os ciclos de auge, dadas a magnitude e a persistência do atual ciclo de preços internacionais dos bens primários; preservar, ao mesmo tempo, o dinamismo do investimento privado em recursos naturais, evitando a competição fiscal entre os países da região; investimento público eficiente das rendas obtidas em campos como a educação, sanidade, infraestruturas, I+D+i, e sua distribuição equitativa entre níveis de governo e grupos sociais; e por último, institucionalizar a gestão macroeconômica anticíclica frente à volatilidade dos ciclos de preços internacionais e dos frutos de capital. A eficiência e a coesão social andam de mãos dadas.

 

 O desenvolvimento dos recursos deve ser sustentável nos aspectos social (limitar a desigualdade) e ambiental (mudanças climáticas).

Em resumo, dada sua pujança por possuir amplos recursos naturais, a América Latina tem uma oportunidade inédita se forem institucionalizados os mecanismos para a gestão macroeconômica frente à volatilidade dos ciclos de preços internacionais, com três advertências: uma política ativa de desenvolvimento que permita maiores encadeamentos para as empresas de recursos naturais serem motores de convergência produtiva, uma maior progressividade na participação do Estado nas rendas de exploração dos recursos e melhor gestão pública dos conflitos ambientais que estão surgindo.

Não há bom hardware sem bom software

Joaquín Estefanía
Diretor da Escola de Jornalismo da Universidade Autônoma de Madri
Jornalista e economista. Foi diretor do jornal El País entre 1988 e 1993 e diretor da seção de opinião do mesmo jornal. Dirige há oito anos o Relatório sobre a Democracia na Espanha da Fundação Alternativas. É autor de uma dezena de livros, o último dos quais é La economía del miedo. Atualmente, dirige a Escola de Jornalismo da Universidade Autônoma de Madri/El País e a Cátedra de Estudos Ibero-Americanos Jesús de Polanco.

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