UNO Julho 2015

Ao resgate da classe média empobrecida

16_2A crise econômica, da qual, felizmente, já estamos saindo, tem transformado profundamente a sociedade espanhola. Entre 2007 e 2014, a taxa de desemprego passou de 8% para 23,6%: agora, são 5,4 milhões de desempregados, dos quais cerca de 62% são de longo prazo (estão há mais de um ano à procura de trabalho). Atualmente, existem mais de 700 mil famílias sem qualquer rendimento. A recessão produziu, além disso, um empobrecimento generalizado que a recuperação tardará para erradicar, se é que chegará a fazê-lo. Da mesma forma, a desigualdade social e a pobreza dispararam. Os 20% mais ricos na Espanha ganham sete vezes mais do que os 20% mais pobres, uma das maiores diferenças da Europa. E cerca de 20% da população está em risco de pobreza.

A classe média votará menos em grandes partidos, ainda que não seja apática em relação à política

Neste contexto de desemprego, desigualdade e empobrecimento, a classe média entrou em colapso. Se em 2007, de acordo com o Centro de Investigação Sociológica (CIS), 63% dos espanhóis se considerava classe média, em 2013, 48% o faziam. Mikroscopia, um macro levantamento produzido pela MyWorld com uma amostra representativa de quase 8.400 pessoas, aponta uma queda ainda maior da classe média. Se, em termos gerais, 54% dos cidadãos da classe declarou ter caído de classe social como resultado da crise, 28,9% dizem ter decaído da classe média-média para a classe média-baixa. Um terço dos cidadãos, portanto, faria parte da nova classe média empobrecida. Trata-se de um dado subjetivo, pois mede a percepção do declínio percebido no elevador social – não a queda real –, mas não menos relevante por isso.

A classe média empobrecida transformou seus hábitos de vida, consumo e compra e é suficientemente numerosa para que partidos, empresas ou bancos possam sentir-se ameaçados. Neste sentido, ainda que o desencanto com os grandes partidos que protagonizaram a vida política espanhola apresentem um caráter transversal, os dados do Observatório MyWord para a Cadena SER mostram que o declínio do bipartidarismo, medido em intenções de voto, é onze pontos percentuais mais alto entre a classe média empobrecida do que entre aqueles que não variaram de classe. Este declínio no apoio ao bipartidarismo não responde, no entanto, a uma maior apatia política. Mais de esquerda do que de direita, entre 45 e 54 anos, são pessoas informadas e com mais interesse pela política do que o conjunto geral da população.

Na Espanha há uma rejeição direcionada à economia capitalista, atrás do México e da Argentina

16Os hábitos de consumo e de compra também transformaram-se mais entre as pessoas da classe média do que entre aqueles que permaneceram imunes à recessão. São mais os que produzem em seus lares produtos antes comprados (9,1 pontos percentuais a mais do que o resto da classe média), assim como são mais os que recorrem a medidas próprias de ‘economia de guerra’, como mesclar sabão de lavar louça misturados com água (8,4 pontos mais), aqueles que mudaram o supermercado habitual por outro mais econômico (12,2 pontos percentuais mais), que compram marcas mais baratas (23,3 pontos mais) e aqueles que procuram ofertas (3,7 pontos mais), comparam os preços (3,8 pontos mais) e que fazem compra com uma lista para assegurar-se de que levarão apenas o necessário (4,3 pontos mais). Não só reduziram seus bolsos: também mudaram de mentalidade, tornando-se mais austeros por pura convicção e mais críticos com a sociedade de consumo.

Da mesma forma, entre a classe média empobrecida há mais “consumidores rebeldes” entre aqueles que se viram mais afetados pela crise (dez pontos percentuais mais, em média): são pessoas que sentem rejeição ou desconfiança em relação às grandes corporações econômicas e financeiras, em um país no qual caiu vertiginosamente o apoio à economia de mercado. Em 2007, quase sete em cada dez espanhóis consideravam que o capitalismo era o melhor sistema econômico para o nosso país, uma percentual superior ao registrado em outros países vizinhos, como a Alemanha ou a França. Sete anos mais tarde, o apoio à economia de mercado despencou 22 pontos percentuais. Em um ranking de 44 países, a Espanha está agora posicionada como uma das mais anticapitalistas, atrás apenas do México e da Argentina.

Relutante aos grandes partidos políticos tradicionais, a classe média empobrecida ameaça deixar corporações lendárias; do mesmo modo, está mais disposta a castigar empresas que não mostrem comportamentos exemplares. Aristóteles disse que “a comunidade política administrada pela classe média é a melhor, e que é possível governar bem as cidades onde a classe média é grande e mais forte, se possível, maior do que as outras duas classes juntas, […] pois assim, somando-se a qualquer uma delas, inclina a balança e impede os excessos dos partidos de oposição’. Deveria ser do interesse de todos, partidos e corporações, contribuir para o resgate de uma classe média agora empobrecida.

Belén Barreiro
Diretora da MyWord e ex-presidente do Centro de Investigações Sociológicas (CIS)
É criadora e Diretora da MyWord, uma empresa dedicada à pesquisa avançada, social e de mercado. Foi presidente do Centro de Pesquisas Sociológicas (CIS) e também dirige o Laboratório de Ideias da Fundação Alternativas. Doutora em Ciência Política, Sociologia e Antropologia Social pela Universidade Autónoma de Madri, tem Mestrado em Ciências Sociais pelo Instituto Juan March de Estudos e Pesquisas. Há mais de 20 anos é assessora na área de opinião pública e foi professora universitária. Em setembro de 2011, foi citada pela revista Tiempo como umas das 100 mulheres espanholas mais influentes do século XXI.

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