UNO Novembro 2015

Reflexões após a II Cúpula UE-CELAC de Bruxelas

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Nos últimos dias 10 e 11 de Junho realizou-se, em Bruxelas, a II Cúpula UE-CELAC (a VIII UE-AL), que perseguia o objetivo – como é sabido desde a criação do Mecanismo das Cúpulas, em 1999, que excedeu  o Diálogo Político Ministerial de San José e com o Grupo do Rio – de estabelecer uma verdadeira Associação Estratégica entre as duas regiões. Este encontro, como de costume, foi acompanhado de uma renovação do Plano UE-CELAC e de uma declaração intitulada “Uma Associação para as próximas gerações”.

A cúpula anterior foi realizada em Santiago do Chile, em janeiro de 2013. Desde essa data muitas e importantes coisas aconteceram em ambas as regiões.

Na União foram realizadas eleições para o Parlamento Europeu, em 2014, depois que uma nova Comissão, presidida por Jean Claude Juncker, foi estabelecida. Donald Tusk substituiu a Herman Van Rompuy como presidente estável do Conselho Europeu e Federica Mogherini substituiu a  Catherine Ashton, no cargo de Alta Representante para a Política Exterior e de Segurança Comum e Vice-Presidente da Comissão.

Nas eleições, o projeto europeu de construção europeia foi examinado a partir da crise mais profunda que viveu desde a sua fundação, em 1957, e seu resultado é conhecido: embora o Parlamento não tenha se tornado, como dizia Garton Ash “em uma caixa de cristais cheia de pessoas atirando pedras a partir de dentro”, é evidente que representantes dos partidos eurocépticos, eurófobos, xenófobos ou radicais de direita ou esquerda se sentem, de forma crescente, nos assentos do Parlamento de Estrasburgo.

A Europa viveu, nos últimos anos, tentando superar a crise e focada, fundamentalmente, em seus projetos globais de consolidação, um pouco como no mito de Narciso, absorto na contemplação de seus próprios problemas. Colocando ênfase na dimensão interna de seu Projeto: Mercado Interno e União Econômica e Monetária, tentando superar as lacunas existentes, procurando a saída do labirinto grego,  avançando na União Bancária e Fiscal, para recuperar o caminho do crescimento sustentado e da criação de empregos.

Tudo isso foi traduzido nas Orientações Políticas apresentadas pelo Juncker, antes da sua investidura prévia no Parlamento Europeu, onde se levantou uma Agenda em relação a questões de emprego, crescimento, equidade e mudança democrática, destacando as vantagens que isso implica para o mercado interno e lançando, como medida estrela, um Plano de Investimentos com montante de 315 bilhões de euros.

É evidente que o resultado das eleições de 7 de maio no Reino Unido foi um fator determinante para o futuro da UE.

A nível bilateral, houve um impulso de uma série de propostas após a conclusão do Acordo de Associação entre a União Europeia e a América Central

A dimensão externa do projeto, partindo da base de que não haverá novas ampliações nos próximos 5 anos, foi condicionada pelos desafios estipulados na Política de Vizinhança, tanto setentrional – com a falida Cúpula de Vilnius –, como meridional –  onde a primavera árabe fez florescer apenas na Tunísia e não sem dificuldades, como vimos no atentado do Museu do Bardo, e onde ainda existem gravíssimos problemas, como na Líbia, Síria, Níger, Nigéria, Iêmen, Egito, Afeganistão, Iraque, Quénia, etc.

A prioridade, no âmbito das negociações comerciais tem-se centrado sobre o ambicioso Acordo de Comércio e Investimento (TTIP) entre a UE e os EUA, que apesar da União Europeia já ter negociado, permanece negociando ou em conversações com vistas à concluir Acordos da mesma natureza com a Coreia do Sul, Canadá, Japão, Austrália, Nova Zelândia, África do Sul, Malásia, Tailândia, Vietnã, Ucrânia, Marrocos, Tunísia, Jordânia, Egito, etc.

Enquanto isso, a América Latina, onde alguns de seus países vinham liderando, até recentemente, junto com alguns países asiáticos, o crescimento econômico mundial, graças, entre outros fatores, ao aumento do preço das matérias-primas, parece estar imersa em uma mudança de ciclos, com um certo abrandamento econômico.

Não é estranho, nesta situação, o Brasil estar vivendo este momento, sendo a sexta maior economia do mundo, cujo modelo está dando claros sinais de esgotamento. O Brasil esteve à beira da recessão no ano passado, quando cresceu apenas 0,1% e houve um recuo de quase 5% dos investimentos, assim como uma significativa depreciação da sua moeda, que repercute diretamente sobre os seus parceiros do Mercosul.

Por outro lado, o restabelecimento das relações diplomáticas entre Cuba e os EUA, em dezembro de 2014, revitalizou a Cúpula Hemisférica no Panamá, com a celebração da 7ª Cúpula das Américas, na qual, pela primeira vez, participaram Cuba, sem que isso implique, no entanto, no fracasso dos diversos organismos regionais (CELAC, Mercosul, Unasul, Aliança do Pacífico, Sieca, etc.).

Vai ser muito interessante constatar, como apontou recentemente uma oportuna análise da LLORENTE & CUENCA, se esta aposta da administração Obama irá permitir que os EUA recupere a margem que perdeu no comércio da região, que caiu de 53% para 35% entre 2000 e 2013, e que coincide com um aumento dramático da participação da China na região.

Em outro ponto, a morte de Hugo Chávez, a crise da Venezuela, o processo de paz na Colômbia e as eleições presidenciais na Argentina, são fatos relevantes que, de uma forma ou de outra, estiveram presentes na Cúpula de Bruxelas.

011Diante deste contexto, quais são os avanços concretos, tangíveis e sonoros produzidos durante a Cúpula de Bruxelas?

A nível bilateral, houve um impulso de uma série de propostas após a conclusão do Acordo de Associação entre a União Europeia e a América Central, que está em vigor e que vem a ser o primeiro Acordo de Associação com o componente de liberalização progressiva e recíproca de intercâmbios entre os dois blocos regionais. Ao mesmo tempo, o Equador aderiu ao Acordo Multipartido Peru-Colômbia, e formalizou-se a isenção do regime de vistos para cidadãos do Peru e da Colômbia, que agora desfrutam de um acordo de primeira divisão com a UE, antes injustamente vítimas de discriminação em relação a outros cidadãos do subcontinente que não desfrutam de um vínculo institucional dessa natureza.

A UE deu continuidade a seus contatos, para o marco da Posição Comum do Conselho, com vista à conclusão de um Acordo de Diálogo Político e de Cooperação com Cuba.

Também deu-se um impulso à renovação, modernização e atualização dos Acordos de Associação com o Chile e o México. Desde a Cúpula de Santiago perdeu-se um tempo precioso e a negociação com os EUA não deveria ser uma desculpa para que a UE chegasse tarde para beneficiar-se das vantagens que este acordo traria para o setor empresarial do nosso continente, e para as reformas constitucionais em curso em ambos os países – e, em particular, por seu alcance e dimensão, ao México –, como pôde ser verificado na Cúpula Ibero-americana de Veracruz. É evidente que ambos os processos são compatíveis e complementares.

Em relação ao Mercosul, valorizou-se a oportunidade de concluir, de uma vez por todas, um ambicioso e equilibrado acordo entre a UE e o Mercosul, com a fixação de datas para a apresentação de uma proposta de negociação que melhore aquela feita em 2004.

Outras áreas em que se registaram progressos foram nos âmbitos de projetos de investigação e inovação e de cooperação acadêmica, com os projetos Erasmus Plus e Curie.

Hoje, a União Europeia, apesar da crise, continua a ser o maior mercado do mundo em termos de poder aquisitivo, exportações e importações de bens e serviços, assim como em volume de emissão e recepção de investimentos estrangeiros diretos. O Investimento Direto da UE na América Latina é superior ao seu equivalente no Japão, Rússia, China e Índia juntas.

O comércio com a região dobrou na última década, a UE tendo conseguido manter a participação no mercado global de exportação com cerca de 20%, apesar da ascensão da China e os EUA e Japão, que viram diminuir as suas.

A América Latina está centrada na consolidação e na preservação de suas conquistas econômicas, o que dependerá, em grande medida, da melhoria da coesão social e do sucesso de seus projetos de integração regional

Daí os superávits na Balança Exterior de bens manufaturados, de serviços e até mesmo de produtos agrícolas, onde a UE foi tradicionalmente deficitária. E tudo isso não foi alcançado porque nós importamos menos, mas porque nós exportamos mais.

Mas sendo estes importantes aspectos econômicos, comerciais e de investimento, e desejando que estes se intensifiquem, convém colocar mais ênfase em princípios e valores compartilhados, como o  da democracia pluralista e representativa, o respeito à liberdade de expressão,  os direitos humanos e as liberdades fundamentais, ao império das leis, às regras do jogo democrático, à segurança jurídica e à rejeição de qualquer forma de ditadura ou autoritarismo.

Por outro lado, é importante ir transitando de Agenda Bilateral a uma Agenda Global, para resolver os grandes desafios que chegam em uma escala planetária. A melhoria do multilateralismo efetivo é tanto um compromisso comum como um desafio para a Associação. A Cúpula apostou por aproveitar melhor o peso combinado da UE e da América Latina ao abordar os muitos problemas globais em que as distintas políticas, em muitos âmbitos, poderiam e deveriam convergir. Seria altamente desejável para ambas as regiões, que representam cerca de um terço dos Estados-Membros das Nações Unidas e do G20, assumir um maior protagonismo no cenário internacional. Especialmente no que tem sido chamado de “Agenda do Desgoverno”: a luta contra o terrorismo, o crime organizado e o tráfico de drogas, em linha com o debate que acontecerá na Assembleia Geral da ONU, em 2016; a preservação do meio ambiente, os recursos naturais e as mudanças climáticas no contexto da Conferência de Paris, em dezembro deste ano; a segurança cibernética; a luta contra a pobreza, seguindo a Agenda de Desenvolvimento pós-2015; as pandemias; os conflitos regionais; os Estados falidos, etc.

Seria interessante constatar também, neste contexto, após a Cúpula, que as Relações Transatlânticas não deveriam ser somente coisa de dois, a UE e os EUA, mas coisa de três, envolvendo a América Latina. Se observarmos, vemos que na Aliança do Pacífico (todos os membros têm Acordos de Livre Comércio com os EUA e com a UE), o NAFTA, o TTIP, o CETA (Acordo de Livre Comércio UE-Canadá), os Acordos de Associação e Livre Comércio da UE e dos EUA com a América Central, todos eles representam uma rede de relações comerciais na área atlântica que, com o tempo, o impulso político necessário e os  ajustes adequados, poderiam levar a um enorme Espaço Econômico Transatlântico (TAFTA).

A América Latina está centrada na consolidação e  na preservação de suas conquistas econômicas, o que dependerá, em grande medida, da melhoria da coesão social e do sucesso de seus projetos de integração regional.

Hoje, com o deslocamento do eixo econômico mundial do Oceano Atlântico para o Pacífico e o índico, a América Latina já não é periférica, mas central. Já não é mais um subcontinente emergente, mas emergido. A Europa, que é uma sociedade cronófaga, em luta contra o tempo, que vive uma hipertrofia do imediato, do presente, tem que sair da sua abstração e dar um passo decisivo na direção certa. A Cúpula de Bruxelas representa uma excelente oportunidade para cravar, com fatos concretos, a forma da Associação Estratégica Birregional. Agora falta o mais difícil: passar das palavras aos atos, ou de modo prático, das bem-aventuranças aos livros de contabilidade.

José Ignacio Salafranca
Vice presidente da Seção Espanhola do Conselho Federal do Movimento Europeu / Espanha
Vice-Presidente da Seção Espanhola do Conselho Federal do Movimento Europeu. Foi membro do Conselho Assessor do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD). Nomeado embaixador chefe da Delegação da UE na Argentina (2015). Além disso, ocupou o cargo de deputado no Parlamento Europeu (1994-2014), onde foi presidente europeu da Assembleia Parlamentar Eurolat e das delegações para as relações com os países da América Central, México e Cuba e América do Sul e Mercosul. É formado em Direito pela Universidade Complutense de Madri, graduado em integração europeia pela Escola Diplomática de Madri, e Doutor Honoris Causa pela Universidade das Américas, do Chile. [Espanha]

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