UNO Março 2016

Setor privado e educação: contribuições possíveis para a inovação

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Quando se fala de educação de qualidade, geralmente se remete a reforçar o nível inicial, ampliar a jornada diária no primário ou resolver questões relacionadas à repetência, abandono escolar e a idade no secundário. Em vários países latino-americanos, outras questões são as faltas, a formação e a avaliação dos docentes. Também se menciona a inclusão da tecnologia, cuja incorporação se investe em aula, embora nem sempre com uma visão abrangente e de longo prazo.

Mas pouco se justificam decisões com base em evidências empíricas sobre o que funciona na sala de aula, na tentativa de desenvolver habilidades cognitivas e não-cognitivas no nível primário[1], melhorar a finalidade e a formação vocacional no secundário, aumentar a continuidade no sistema universitário e a inserção no mercado de trabalho.

Deixe-me tentar descrever, então, neste artigo alguns elementos ou ferramentas que mostram indícios de estar funcionando com sucesso em programas educacionais o que a Organização Techint realiza em diferentes países, mesmo com diferentes culturas e sistemas educacionais.

Em um ambiente ordenado são minoria os que provocam desordem. Isso cria um clima positivo, o que favorece o desenvolvimento da aprendizagem dos alunos

08_1Antes de projetar o programa Extraclase, a partir da área de Desenvolvimento Social da Organização Techint, decidiu-se analisar e observar as jornadas prolongadas e iniciativas de educação não-formal antes ou depois das aulas nos diferentes países (Argentina, Chile, México e Estados Unidos). Também foram levadas em conta práticas e elementos que têm em comum programas extracurriculares com impacto positivo[2].

O Extraclase adiciona três horas em turno contrário às aulas, quatro dias por semana, a estudantes do primário, de turno único. É de participação voluntária e visa desenvolver habilidades socioemocionais, aumentar a percentagem da frequência escolar e, no médio e longo prazo, melhorar os resultados acadêmicos.

Para exemplificar o sistema educacional do ExtraClase, podemos recorrer a um triângulo. O primeiro vértice é a pedagogia ou a forma de ensinar. O programa baseia-se na aprendizagem ativa e prática, baseada em projetos que envolvem trabalho individual e em grupo. No Extraclase, os grupos de crianças são reduzidos (até 18 por adulto) e mesclam idades com o mesmo nível cognitivo. O trabalho em grupo oferece a oportunidade de inverter papéis e nesse movimento, os alunos aprendem a ceder, negociar, comunicar e colocar-se no lugar do outro. Pretende-se que o processo aconteça em um ambiente lúdico e dinâmico, para manter o foco e a motivação dos estudantes.

O segundo vértice do triângulo são os conteúdos, que não são escolhidos ao acaso e cujo desenho é controlado. No Extraclase os campos trabalhados são a ciência, a arte, a recreação e o apoio pedagógico. Elegeu-se a abordagem de Ensino de Ciências Baseado na Indagação (ECBI[3]), com módulos desenvolvidos por especialistas internacionais. Na ECBI, parte-se do pressuposto que as crianças conhecem e são guiados para que construam noções científicas do mundo ao seu redor, aprendam a raciocinar e se mover nele. No processo, desenvolvem-se não apenas habilidades cognitivas, mas também sociais e cidadãs. Os conteúdos são organizados em módulos ou unidades que consistem em aulas sequenciadas[4] e que partem de uma grande ideia ou tema. O programa fornece os materiais associados aos módulos, garantindo a adequação e a sustentabilidade do seu desenvolvimento ao longo do tempo.

Um elemento que parece influenciar no sucesso dos programas de maneira evidente é o ambiente de aprendizagem. Neste ponto, além de ser apoiado em pesquisas da OCDE sobre os testes PISA, é possível comprovar diariamente. Em um ambiente ordenado são minoria os que provocam desordem. Em um ambiente de respeito aqueles que não consideram o próximo são poucos. Isso cria um clima positivo, o que favorece o desenvolvimento da aprendizagem dos alunos.

O setor privado não tem a capacidade de reformar nem melhorar o sistema educacional de um país, mas tem a capacidade de inovar e testar ferramentas que podem ser úteis para todos.

O outro vértice é a avaliação. Na Extraclase e na Escola Técnica Roberto Rocca, tanto pessoal como o próprio projeto são avaliados periodicamente. A mensuração do desempenho dos professores na escola Rocca foi projetada com base no Projeto MET (Measures of Effective Teaching), da Fundação Gates, que inclui três ferramentas principais: pesquisas com os alunos, observações de aulas e testes aplicados aos estudantes. Para monitorar os resultados em ambos os programas, são utilizadas ferramentas padronizadas, que medem o desenvolvimento de habilidades socioemocionais e competências em matemática e em língua (como a base do desempenho acadêmico). Em ambos projetos são monitorados os resultados dos assistentes ao longo do tempo, e contrastados com aqueles obtidos por grupos de controle (populações semelhantes, mas que não concorrem). Com estas avaliações pretende-se verificar se os projetos estão tendo resultados propostos e se seus sistemas pedagógicos funcionam na medida do que se espera.

O setor privado não tem a capacidade de reformar nem melhorar o sistema educacional de um país, mas tem a capacidade de inovar e testar ferramentas que podem ser úteis para todos.

[1] Segundo Heckman, as habilidades não cognitivas são melhores predecessoras do sucesso na vida econômica e pessoal. Heckman James J. School, Skills and Synapses. Univ. Of Chicago, Chicago, USA. Maio de 2008.

[2] Joseph A. Durlak, et al. The Impact of After-School Programs That Promote Personal and Social Skills. University of Illinois Chicago Collaborative for Academic, Social, and Emotional Learning (CASEL), 2007.

[3] Ensino da Ciências Baseada na Investigação, desenvolvido a partir do projeto La Main a la Pate, da Academia Francesa de Ciências, inclui várias propostas pedagógicas, tais como a aprendizagem cooperativa e a investigação guiada, de base construtivista.

[4] Com base no estudo de caso citado, os casos de AfeterSchool com impacto foram aqueles que seguiram o esquema SAFE: conteúdos Sequenciais, Ativos sobre o papel do aluno, focado no desenvolvimento de competências e explícito no que deseja alcançar.

Carlos Tramutola
Gerente de Desenvolvimento Social do Grupo Techint
Gerente de Desenvolvimento Social do Grupo Techint. Dirige a implementação de programas sociais com foco em educação em mais de 13 países, com um orçamento anual de 28 milhões. É engenheiro industrial, graduado com honras do Instituto Tecnológico de Buenos Aires (ITBA). Concluiu mestrado Master’s degree (MBA) na Universidade de Stanford Graduate School of Business, da Universidade de Stanford (EUA), com um certificado na Administração Pública. Foi secretário do Governo da Cidade de Buenos Aires entre 2007 e 2009. Foi diretor-executivo da Fundação Grupo Sophia. Também trabalhou para empresas industriais, tais como Mercedes-Benz e Molinos Río de la Plata, na Argentina, para a Argentina Strat Consulting e para a firma Airflash/Webraska, em São Francisco (EUA).

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