UNO Setembro 2018

Da hiperconectividade à hipervulnerabilidade

Sem sombra de dúvidas, a hiperconectividade tem como contrapartida a hipervulnerabilidade. O que aconteceu? A tecnologia colocou nas mãos de bilhões de pessoas do mundo inteiro a possibilidade de opinar, expressar seu apoio ou desacordo em relação a decisões de governos e até mesmo das disposições que surgem dentro das empresas e que têm uma concretização pública, seja porque seus produtos ou serviços não atendem às expectativas ou porque, em algum momento, o vínculo governo/cidadania ou empresas/stakeholders foi violado.

Quando esta ligação é afetada, a relação de confiança estabelecida entre as partes é prejudicada e os níveis de credibilidade diminuem, causando até mesmo implicações sociais, políticas, econômicas, culturais, religiosas e ambientais.

Atualmente, a hiperconectividade fez com que qualquer acontecimento, por mais banal que possa parecer para alguns, tenha a possibilidade de alcançar níveis de escalabilidade em um espaço de tempo muito curto, impactando a reputação de pessoas físicas e jurídicas. Aqueles que foram vítimas de um ataque proveniente do ciberespaço, muitas vezes estão à espera que outro evento atraia a atenção dos demais, para que sua “presença virtual” passe a um segundo plano. Nesta circunstância, “a saída” é encontrar a próxima vítima.

Na esfera das comunicações e das relações sociais, consideramos que “a saída” é agir antes do surgimento de uma crise. Ninguém as deseja, mas tampouco sabemos quando elas podem surgir. Se a hiperconectividade acontece no ciberespaço, a melhor medida preventiva é estar presente nele, de maneira contínua e permanente, primeiro escutando ativamente o público e depois, antecipando os possíveis issues; daí em diante, transmitindo nossa “verdade” ou nosso discurso “pós-verdade“, conceito que, em minha opinião, não tem a ver com a imposição de uma opinião – mesmo sabendo que esta talvez seja subjetiva –, mas com a maneira de contá-la, para que seja entendida e aceita pelos cidadãos a quem é dirigida, tendo uma estrutura lógica e coerente para ser considerada crível.

Assim, a diferença que fazemos entre um conceito e outro é que “a verdade” é aquela que pode ser sustentada de maneira racional e com o maior rigor científico possível. A mesma verdade, como na “pós-verdade”, mas associada a uma determinada percepção que queremos construir para estarmos posicionados diante de nossos públicos ou stakeholders. Na maioria dos casos, a pós-verdade recorre à emoção, na certeza de que é mais fácil obter aceitação e posicionamento. Recusa-se a confrontar “a verdade” por falta de profundidade, enquanto o público que se orienta pelo escrúpulo da “verdade” será sempre menor e mais exigente.

A pós-verdade recorre à emoção, na certeza de que é mais fácil obter aceitação e posicionamento

Os acontecimentos contemporâneos demonstram que as mensagens breves, as respostas rápidas e oportunas são mais facilmente contrapostas e se posicionam melhor diante da opinião pública, recuperando ou reposicionando a reputação da autoridade ou da instituição empresarial envolvida. Recordemos dos mecanismos usados ​​no passado para os rumores. Quanto mais tempo se passava sem uma resposta oficial da empresa ou instituição, mais crescia o boato e mais se incorria em danos, algumas vezes irreparáveis, ​​à credibilidade da parte afetada. A gestão adequada da crise é o que permite repelir e esvaziar os rumores.

Um vídeo postado que revela um ato inadequado de um funcionário público, de uma autoridade, pode gerar uma onda de desacordos com o fato, de indignação; e, ao mesmo tempo, de identificação com a vítima e, com ele, os disseminadores do registro, feitos a partir de um telefone celular, já que uma grande câmera de registro de imagens não é mais necessária. Além do sentimento de indignação, que é um ato estritamente privado dos indivíduos, o mais desafiador é que eles se sentem motivados a agir, a mobilizarem-se e a realizarem atos de violência.

No Peru, no ano 2000 e no ano corrente, aqueles que exerceram a liderança do Estado foram forçados a renunciar por causa do vazamento, no primeiro caso, de um vídeo que mostrava como se conseguia adeptos à causa do governo; e, no segundo exemplo, que revelava a intenção de dissuadir um parlamentar para que este votasse contra um processo de vacância, em troca da nomeação de aliados em cargos públicos e do direcionamento de orçamento para o financiamento de obras públicas para a cidade que este representava.

Vinte e quatro horas antes, o então chefe de Estado havia assegurado que não renunciaria. O vídeo foi transmitido pelos meios de comunicação e via redes sociais; a indignação cresceu tanto que nenhuma estratégia de comunicação pôde sustentar o impacto da hipervulnerabilidade do mandatário, politicamente fraco, que não soube nem podia antecipar os cenários políticos e reputacionais que as divulgações alcançariam, e, portanto, teve que se afastar da posição que ocupava.

Na esfera privada, a hiperconectividade também impactou negativamente empresas cujas reputaçãos as qualificavam como detentoras de uma love mark. No ano passado, uma empresa de laticínios de muito prestígio viu como uma de suas marcas foi obrigada a mudar sua identidade gráfica, após a notícias sobre a marca viralizarem em poucas horas e por motivos negativos. Um composto nutricional com características muito semelhantes ao leite havia sido vendido como tal produto e seu rótulo, inclusive, exibia gado leiteiro. O questionamento teve tal nível de repercussão entre os consumidores, que a empresa, forçada pela pressão exercida pelas autoridades, se viu obrigada a retirar a marca do mercado e a iniciar uma grande campanha de explicação racional do produto, além de uma campanha de sensibilização, apresentando informações nutricionais sobre como o produto traria impacto favorável à economia de milhares de famílias humildes de agricultores peruanos.

O acesso à tecnologia empoderou a muitos e também os motivou a se expressarem, a transmitirem seus sentimentos e emoções, a se identificarem e a se afirmarem. Muitos grupos se tornaram conhecidos a partir das redes sociais e atraíram a atenção de outros membros da comunidade nacional e internacional.

A hiperconectividade gera uma hipervulnerabilidade a quem está exposto ou evidenciado pela opinião pública, usuária das redes sociais; mas, por si só, é objeto de sua vulnerabilidade

A hiperconectividade gera uma hipervulnerabilidade a quem está exposto ou evidenciado pela opinião pública, usuária das redes sociais; mas, por si só, a hiperconectividade também é vulnerável às suas próprias conquistas. Quanto mais pessoas interconectadas, maior a possibilidade de que um acontecimento divulgado seja “substituído” por outro. A hiperconectividade gera uma “onda” exponencial” de divulgação, mas sua queda do pico da audiência alcançada pode ser vertiginosa.

A opinião pública rejeita comportamentos que transmitem cumplicidade, superficialidade ou atitudes banais diante de eventos que, por si só, são reprováveis

Diante de uma crise súbita de hiperconectividade, é aconselhável revisar se o fato está entre as medidas de prevenção. Caso contrário, os primeiros passos serão sempre informar conscientemente e recomendar que o porta-voz, previamente treinado, reconheça o que aconteceu e anuncie medidas corretivas contra os supostos responsáveis. Em alguns casos, infelizmente, será preciso escalar um “sofredor”, alguém responsável pelo fato. A opinião pública rejeita comportamentos que transmitem cumplicidade, superficialidade ou atitudes banais diante de eventos que, por si só, são reprováveis.

Guillermo Vidalón
Superintendente de Relações Públicas da Southern Peru Copper Corporation
Graduado em Comunicação Social pela Universidade Nacional Maior de São Marcos (UNMSM) - Licenciado pelo Centro de Altos Estudos Nacionais. É autor de: Mineração, Desafio da Persuasão (2010), Mineração, Uma Oportunidade para o Desenvolvimento do Peru (2012), Mineração na Estratégia de Desenvolvimento do Peru (2014). Também é coautor nas publicações: Empresa, Economia e Liberdade (2005), Visões de Desenvolvimento: Perspectivas Indígenas, Estaduais e Empresariais e Manual entre as Boas e Más Práticas da Consulta Prévia (2015), publicado pela Fundação Konrad Adenauer. Além disso, atua como colunista em: Negócios Internacionais, publicado pela COMEX Peru; e no El Montonero, Portal Web. Atualmente, é superintendente de Relações Públicas da Southern Peru Copper Corporation. [Peru]

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