UNO Agosto 2013

Os jogos ou a austeridade de um gigante

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Três cidades de tradição, Madrid, Istambul –a antiga Constantinopla– e Tóquio, compõem o mosaico de candidatas a sediar os Jogos Olímpicos de Verão de 2020. São cidades emblema de ambições imperialistas já superadas, todas dotadas de uma justificativa ou queixa para que em 07 de setembro seu nome apareça ou não no cartão que será lido por Jacques Rogge, presidente do Comitê Olímpico Internacional. Ninguém discutirá que a solidez de Madrid, o multiculturalismo de Istanbul ou a segurança de Tóquio foram motivos vazios para serem eleitas. Para isto, previamente o COI promoveu um corte no ano passado: para que este grupo, a qual é concedido um poder supremo, a cada dois anos –entre o inverno e o verão– possa designar o vencedor sem mais embaraço.

No amálgama do raciocínio que brota de tal Assembleia não há uma matéria central. Os cerca de cem membros do COI são personagens difíceis de decifrar para qualquer um dos agentes que estão envolvidos na caça aos votos. Nem Napoleón de Austerlitz, nem qualquer um dos grandes estrategistas da humanidade, seria capaz de garantir a vitória contra um grupo para o qual as circunstâncias, a ascensão do esporte, a importância econômica e seu uso como uma ferramenta social, elevaram sua condição. Hoje, ser membro do COI é uma formidável responsabilidade. É como ser parte de uma espécie de Nações Unidas socioeconômica, mas sem a ameaça de veto. Não é o Olimpismo, inventado há 125 anos pelo Barão Pierre de Coubertin, o que se maneja por entre os dedos, é o futuro de um país que está em jogo.

O Produto Interno Bruto de mais da metade dos países do planeta é facilmente inferior aos US$ 50 bilhões orçados pela cidade de Sochi, na Rússia, para os Jogos Olímpicos de Inverno de 2014

Observou-se há quatro anos, em Copenhague. Nos arredores da cidade das bicicletas, o Olimpismo alcançou um momento tão alto quanto perigoso. Juntos na mesmo sala, Barack Obama, Lula, Yukio Hatoyama e José Luis Rodríguez Zapatero representavam quatro governos dos então 10 países mais ricos do planeta. Mas não eram os protagonistas. Naquele dia de outubro de 2009, seus papéis se resumiam aos de vice-reis de um mundo que é tangencial, onde suas constituições não são absolutas, mas cujo fascínio e necessidade transformam a sua realização em uma questão de Estado. Pequim investiu US$ 43 bilhões em seus jogos, Londres, US$ 13,9 bilhões; Sochi, 50 bilhões para os Jogos do próximo ano, já com seu tempo acabando. A metade dos países do mundo, do Uruguai, do posto 90 para baixo, não tem esse Produto Interno Bruto anual.

juegosdeungigantefullMadrid, a capital da Espanha, um país que tem contribuído de uma maneira inegável para o esporte, primeiro com seu mais brilhante visionário –Juan Antonio Samaranch– e depois com a sua constelação de estrelas do século XXI, tem se entregado à causa. É a terceira vez que comparece, circunstância que também contém uma qualidade muito valorizada na competição, que é persistência. Em ocasiões anteriores, o vento era contrário e a sensação foi a de uma projeção interna do antigo prefeito de Madrid, Alberto Ruiz-Gallardón, ao invés de um sincero desejo de receber o grande movimento social da era moderna, como agora.

Em tempos em que o mundo dá razão a Groucho Marx e seu desejo de sair dele pelas dimensões que tudo tem tomado, talvez convenha ao movimento olímpico uma aposta pela austeridade. A mensagem do COI pode parecer distorcida depois de confiar os Jogos, nas últimas ocasiões, a propostas que surgiram das entranhas de um programa de software, com orçamentos e prazos impossíveis de serem implementados. É dever de todas as mentes do Château de Vidy, em Lausanne, a criação de um cenário onde países com algum crédito, principalmente organizacionais, possam concorrer com aspirações.

O Olimpismo já sofreu um colapso significativo no final dos anos 80. Então a alternância não escrita entre os dois únicos continentes que impulsionavam a máquina esportiva, com os países ricos da Europa mais avançada e a América do Norte, resultou que na edição de 1984 só um país podia ter oportunidade: Los Angeles não teve que passar por qualquer escrutínio para a nomeação. A mesma ameaça paira em termos orçamentários desta vez: mover quantidades superiores a US$ 10 bilhões é circunscrever os Jogos a um grupo muito frágil.

Há quatro anos o Olimpismo alcançou um momento tão alto quanto perigoso: Obama, Lula, Hatoyama e Zapatero juntos na mesma sala. E não eram os protagonistas

O conceito smart proposto por Madrid parece a saída consistente para um movimento cuja coisa mais valiosa oferecida à humanidade são as pontes que tem criado entre as culturas, entre as pessoas. Existe algo mais altruísta e maravilhoso que um legado direto a uma população desesperançada, com quase seis milhões de desempregados e 57% dos jovens fora do mercado de trabalho como o espanhol? Embora, por outro lado: está legitimado um país de classe média-alta global expor um problema, provavelmente o mais grave, como argumento para obtê-lo?

Gerardo Riquelme
Editor-chefe do diário esportivo Marca
Editor-chefe do diário esportivo Marca. Formado em jornalismo pela Universidad Complutense de Madrid (1992). Desenvolveu toda a sua carreira no principal jornal espanhol de esportes, para o qual cobriu as Olimpíadas de Atlanta, em 1996; de Sydney, em 2000; Atenas, em 2004; Pequim, em 2008; e Londres, em 2012; além das sessões do COI, onde foram anunciados as cidades vencedoras de 2012 e 2016, em Singapura e Copenhague, respectivamente.

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