UNO Março 2015

A utilidade do inútil: ética e inteligência competitiva

07_2Considera-se que a inteligência competitiva é uma ferramenta de gestão para as organizações empresariais e um processo sistemático que se conduz a partir da ética. Portanto, a ética deve reger o conjunto de atividades que ocorrem em toda e em cada uma das fases do processo: direção, obtenção, análise e comunicação.

Dizemos que os negócios são negócios, a economia é a economia, a empresa é a empresa, como se quiséssemos dizer que no mundo econômico, financeiro e empresarial, o aspecto ético sobra. No entanto, se observarmos, a realidade nos diz que ninguém quer aparecer aos olhos dos outros como ruim. E até o corrupto quer disfarçar-se de honrado. E não precisa interrogar muito para encontrar exemplos.

Quando se questiona sobre a ética na inteligência, as pessoas muitas vezes mostram um sorriso brincalhão, como se dissesse: decida-se por uma coisa ou outra. Que utilidade pode ter a ética? Não se coloca em nosso caminho em direção aos resultados? Para alguns, as questões anteriores estão muito claras: a ética na inteligência competitiva se reduz à obrigação de ser eficazes e aumentar a eficácia. A ética se reduz ao pragmatismo de vale tudo, onde a máxima seria “gato branco, gato preto, o que importa é que ele cace ratos”. No melhor dos casos, as leis são respeitadas, mas não é conveniente exagerar e tentar ir além da legislação vigente. Não é assim? Para outros, no entanto, as leis não podem regular todas as relações humanas, portanto, a ética é indispensável. Não basta fazer um bom negócio, é preciso fazer negócios bons. Portanto, a aposta é por uma inteligência competitiva que afirma também a responsabilidade social e que tenta harmonizar o princípio da eficácia com o da responsabilidade ética. Significa fazer a coisa certa, em vez de fazer apenas o que é aceitável ou rentável. Não qualquer tarefa ou atividade em favor da empresa torna-se honrada ao considerar-se necessária. O ético não é apenas o resultado (o fim), também deve ser o processo (os meios). Isso nos leva ao que devemos ter sempre em conta e igualmente os resultados e as consequências de nossas decisões, assim como as intenções que as motivam e os princípios que lhes dão suporte.

Quando se questiona sobre a ética na inteligência, as pessoas muitas vezes mostram um sorriso brincalhão, como se dissesse: decida-se por uma coisa ou outra

07A inteligência competitiva procura não só transformar a empresa em uma organização de sucesso, mas também dar-lhe um valor ético. Desta forma, a inteligência competitiva não consiste em um conjunto de técnicas para aprender truques ou colocar os melhores microfones nos escritórios da concorrência ou interrogar funcionários desleais. Não há necessidade de espionar. O que precisamos é analisar. O problema da realidade é que acreditamos conhecê-la bem, quando na verdade sabemos muito pouco sobre ela. Restam-nos poucos especialistas que resolvem problemas definidos por outros, e precisamos de analistas que questionem a forma como vemos os próprios problemas. Algo muito mais radical. Na era da informação em que estamos imersos, todo mundo sabe o que está acontecendo, mas poucos o que isto significa.

Para a inteligência competitiva, o conceito de integridade é chave. Pois toda instituição ou empresa precisa de imagem, valorização e reconhecimento social. Precisa gerar confiança, e isso só ocorre a partir das capacidades técnicas (do bom produto ou do serviço que prestam) e do comportamento ético (como fazemos, o que fazemos). Construir uma reputação por meio da ética como instituição ou na empresa íntegra ou responsável é o mais rentável que pode fazer uma empresa para aumentar suas chances de influência e, portanto, de negócios. A ética serve como um sinal de credibilidade e mais, em um momento como o atual, em que qualquer mensagem através da palavra ou da ação é julgada e valorizada pelo público. E a credibilidade outorga a coerência entre o que dizemos e o que fazemos. Em suma, sem princípios e valores que incentivem, no mundo dos negócios, a verdade sobre a mentira, a lealdade sobre a deslealdade, a honestidade sobre a corrupção, é muito difícil gerar a confiança que nos torna mais credíveis. Não se pode apoiar um modelo de entender a empresa ou o negócio que só nos ensina a nadar em uma piscina de corrupção. Trata-se apenas de ganhar no curto prazo, ou perder no longo. Em qualquer caso, o que está posto em jogo é a credibilidade de cada um.

Tudo isso mostra que precisamos de ética na inteligência competitiva. A ética não oferece a oportunidade de pagar dividendos de maneira imediata, mas é um dos intangíveis mais valiosos e, presumivelmente, será cada vez mais rentável. É um elemento diferenciador. É a utilidade do inútil.

Tampouco podemos deixar de lembrar que os códigos de ética que não são explícitos e se fazem públicos não podem ser considerados como tal. Como da mesma forma, não é suficiente ter um código ético se não há mecanismos necessários para aplicá-lo

Por isso, precisamos de padrões de práticas e códigos de conduta nas empresas. Na inteligência competitiva estes vem dados pelas políticas e pelo conjunto de normas que regem a própria empresa e também pelos princípios éticos das associações internacionais reconhecidas pela comunidade de profissionais, onde a referência é o Código de Ética da SCIP, a Associação de Profissionais de Inteligência Estratégica e Competitiva. Neste contexto, gostaria de chamar a atenção para duas das suas regras de comportamento: em primeiro lugar, referindo-se à revelação da identidade e filiação profissional antes de estabelecer qualquer comunicação ou entrevista. Ou seja, um profissional de inteligência competitiva não pode querer ocultar sua verdadeira identidade ou desinformar sobre a mesma para obter informações. Em segundo lugar, sublinhar o que se refere ao padrão de prática que envolve a comunicação dos resultados e recomendações, a partir da honestidade e do respeito à realidade dos fatos. Ou seja, é preciso informar a partir da verdade ainda que esta não seja a que se deseja ser ouvida pela Direção, ou a que os convém.

Tampouco podemos deixar de lembrar que os códigos de ética que não são explícitos e se fazem públicos não podem ser considerados como tal. Como da mesma forma, não é suficiente ter um código ético se não há mecanismos necessários para aplicá-lo. Isso seria simples maquiagem.

Um profissional da inteligência e análise competitiva é consciente da importância que desempenha a credibilidade. Não se trata apenas de empregar técnicas sem saber quando usá-las e fazê-lo bem. Um profissional que assim se define, nunca deve deixar de atualizar-se e aprender. A primeira é tratar de proporcionar valor sendo muito bom em que faz. Ser tecnicamente competente e eticamente responsável.

Em suma, como diria Hannah Arendt, a questão não é tanto se uma pessoa, empresa ou instituição é boa, mas se é a sua conduta, ou seja, a sua maneira de ser e de fazer, é boa para o mundo em que vive.

Fernando Velasco
Diretor da cadeira Serviços de Inteligência e Sistemas Democráticos da Universidade Rei Juan Carlos
É professor titular de Filosofia Moral na Universidade Rei Juan Carlos. Em 2005 implementou a cadeira Serviços de Inteligência e Sistemas Democráticos, estabelecida por um convênio de colaboração com o Centro Nacional de Inteligência durante o marco do projeto de cultura de inteligência. É codiretor da revista Inteligência e Segurança: revista de análise e prospecção desde a sua criação, em 2006; a primeira revista acadêmica sobre inteligência editada na Espanha. Desde 2009 é codiretor do Mestrado na área de Análise de inteligência, mestrado interuniversitário de caráter internacional. É membro do Capítulo Espanhol da Associação dos Profissionais de Inteligência Competitiva (SCIP).

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