UNO Março 2017

A mentira da pós-verdade

Falar de pós-verdade está na moda. Como tudo que chega a estar, no entanto, a pós-verdade não é mais do que uma reelaboração de algo que já existia. É um frasco novo que, por acaso, quer parecer contemporâneo – “pós-moderno” – para um vinho tão antigo quanto a opinião pública. Um desses termos que os especialistas desta ou daquela área do conhecimento humano inventam para fazer soar mais esotérica sua descoberta e, por consequência, mais exclusivo de seu conhecimento. “Há espíritos que enturvam suas águas para que pareçam mais profundas“, dizia Nietzsche.

 

O Dicionário Oxford consagrou o termo ‘pós-verdade’ como a palavra do ano de 2016, afirmando que esta é usada para referir-se às “circunstâncias na qual os fatos objetivos têm menos influência na formação da opinião pública que aquelas que apelam para a emoção e à crença pessoal”. Pois bem, seguindo esta prestigiosa instituição, torna-se bem difícil pensar que, com esta palavra, os estudiosos da política descobriram um novo planeta dentro de sua galáxia. Não é por acaso que ali, onde a democracia nasceu e, portanto, a relevância do que o público poderia pensar (por mais restritivo que este pudesse ser entendido), que aqueles que se dedicavam a ensinar a arte de falar nas praças – os sofistas – também chegaram a ser conhecidos como “manipuladores”.

 

Dizer, como afirmava há pouco um sensato artigo do jornal The Economist, a diferença entre a política da pós-verdade e a simples mentira é que, no segundo caso, “a verdade não é falsificada ou discutida, mas de importância secundária”, pois trata-se de “reforçar preconceitos”, dando uma impressão de distinção sofisticada, mas não é, realmente, mais do que um palavreado sem fundamento. Não houve populista na história da humanidade – e, novamente, populistas existem desde a Grécia – para o qual a verdade não fosse de “secundária importância” e para “reforçar preconceitos”, na base do sucesso.

 

O componente emocional, por outro lado, tampouco é nada novo: para “reforçar preconceitos”, poucas coisas foram mais eficientes e praticadas que manipular emoções.

 

Creio, então, que Alex Grijelmo está na direção certa quando escreve que “podemos nos perguntar, sobretudo, se a pós-verdade não formará parte do que a própria palavra denuncia, se não a estará distanciando de vocábulos mais ultrajantes, como ‘mentira’, ‘farsa’ ‘engano’, ‘falsidade’. Sobre o que me atreveria a acrescentar que não apenas podemos nos perguntar, mas também somos capazes de responder.

O componente emocional, por outro lado, tampouco é nada novo: para “reforçar preconceitos” poucas coisas foram mais eficientes e praticadas que manipular emoções.

Dito isto, sim, acredito que nossa época tem uma peculiaridade que fez com que os populistas e as mentiras de sempre ganhassem, hoje, uma potência de alcance muito maior que em outros tempos. As redes sociais deram megafone e audiência, no debate público, a milhões de pessoas que, antes, podiam participar dele apenas dentro dos alcances limitados de suas casas, trabalhos e bairros. Pessoas que, hoje em dia, podem colocar-se em contato, em tempo real, com todos aqueles que pensam – ou não pensam – da mesma forma que elas e criar verdadeiras “tendências” de opinião, capazes de mudar os rumos do debate público.

 

A partir da perspectiva mais pessimista, seria possível dizer, usando as palavras de Umberto Eco, que a web e as redes sociais deram “direito de falar a legiões de idiotas” que antes não tinham voz. No entanto, autorizado como é, este ponto de vista não deixa de ser eminentemente elitista. Afinal de contas, a sofisticação intelectual não anda sempre de mãos dadas com a sabedoria e vice-versa. Podem ser mais suscetíveis, em termos gerais, aos “argumentos” emocionais, mas as grandes massas não têm, nem de longe, o monopólio dos preconceitos, da mesma forma que as elites precisam, muitas vezes, de lucidez. Algo deve significar o fato de tão rapidamente as declarações do professor Eco terem se tornado virais nas mesmas redes sociais as quais se referiam.

 

Seja como for, uma coisa é clara diante do artificial conceito da pós-verdade: como todas as modas, passará. E quando já tiver passado, todos voltaremos a falar da mentira no espaço público. Não teremos avançado muito neste ínterim, mas ao menos teremos livrado o assunto deste véu de mistério com o qual este pretensioso termo se cobriu e Nietzsche, em algum lugar, poderá sorrir aliviado.

Seja como for, uma coisa é clara frente ao artificial conceito da pós-verdade: como todas as modas, passará. E quando já tiver passado, todos voltaremos a falar da mentira no espaço público.

Fernando Berckemeyer
Diretor de jornalismo do jornal El Comercio / Peru

É diretor de jornalismo do jornal diário El Comercio desde novembro de 2014. Escreveu também para veículos como Perú 21, El Nuevo Herald (Miami), El País, CNN em espanhol e para o Jornal Expansión. É advogado graduado pela Pontifícia Universidade Católica do Peru (PUCP) e Mestre em Direito pela Universidade de Harvard. É graduado em Estudos Filosóficos também pela PUCP e tem Mestrado em Literatura Ibero-americana pela Universidade de Nova York. Além disso, é sócio sênior no Estúdio Olaechea. [Peru].

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