UNO Março 2017

Entendendo o “não” ao acordo de paz na Colômbia

Ao longo de 2017, ficou evidente que o conflito armado entre o Governo colombiano e as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (FARC) chegou ao fim. Cerca de seis mil guerrilheiros foram mobilizados para irem em direção aos locais de concentração e, em breve, terá início o processo de entrega das armas. Enquanto isso, o Congresso se ocupa de uma agenda legislativa destinada a implementar o conteúdo dos acordos. Isso inclui uma lei de anistia, os mecanismos de justiça de transição e as garantias para a participação política dos ex-combatentes, entre outros aspectos.

 

Há apenas quatro meses, apesar do governo e as FARC terem conseguido encerrar quatro anos de negociações, a implementação da paz parecia incerta após 50,22% daqueles que votaram no plebiscito de 2 de outubro dizerem não ao acordo de La Habana. Por que os colombianos rejeitaram um acordo que põe fim a 50 anos de guerra?

Por que os colombianos rejeitaram um acordo que põe fim a 50 anos de guerra?

A opinião dos colombianos sobre a “paz” é multidimensional e complexa. A pesquisa do Barómetro de las Américas, realizada pelo Observatório da Democracia, da Universidade dos Andes, mostra que, desde 2004, cerca de 60% dos colombianos apoia uma solução negociada para o conflito. Partindo deste ponto de vista, os resultados do plebiscito foram surpreendentes. No entanto, de acordo com a versão 2016 deste estudo, apenas 40% dos entrevistados apoiaram o acordo alcançado entre o Governo e as FARC. Em se tratando da participação política dos ex-combatentes, menos de 20% a aceitam. Em síntese, os colombianos veem com bons olhos a ideia de uma negociação para resolver o conflito, mas lhes custa muito aceitar algum tipo de concessão que beneficie as FARC. Para o Governo colombiano não foi fácil “vender” um acordo que é visto, por muitos cidadãos, como extremamente generoso com os insurgentes.

 

À dificuldade de “vender” o acordo, soma-se um ambiente político polarizado. Em 2010, Juan Manuel Santos ganhou as eleições com uma plataforma que supostamente continuaria a política de mão dura contra as guerrilhas de Álvaro Uribe. Uma vez na presidência, Santos mudou o rumo de seu governo, ao anunciar os primeiros contatos com as FARC, decisão que não foi bem recebida por Uribe, que já em 2012 liderava uma forte oposição à política de paz do Governo. O distanciamento entre Santos e Uribe conduziu a um processo de polarização das elites, com repercussões na opinião pública. Desde 2012, entre os simpatizantes do ex-presidente, a confiança nas instituições políticas entrou em colapso, assim como o apoio a uma saída negociada ao conflito. Em 2016, cinco entre cada 10 “uribistas” apoiavam uma solução negociada para o conflito. Em contrapartida, oito em cada 10 “não uribistas” defendiam esta alternativa. Se a oposição de Uribe se somou à enorme popularidade do primeiro e o pouco carisma do segundo, é fácil entender como a liderança do ex-presidente levou muitos eleitores a rejeitar o acordo.

 

Finalmente, a campanha pelo “não” conseguiu ativar o medo quanto ao acordo. Enquanto os promotores do “sim” trataram de difundir os principais componentes de um longo e complicado acordo, os partidários do “não” foram muito hábeis promovendo o medo aos termos do referendo. Em um país onde menos de 10% dos cidadãos votariam em um candidato das FARC, a campanha do “não” convenceu a muitos que o pacto de paz abriria o caminho para uma iminente mudança de regime. Além de anunciar a chegada do “Castro-Chavista” na Colômbia, os adversários à proposta foram hábeis em difundir mentiras ou meias-verdades. A justiça transicional foi apresentada como uma total impunidade; aos pensionistas foi dito, falsamente, que a paz seria financiada com um imposto sobre seus proventos; aos trabalhadores se vendeu a ideia, também mentirosa, de que os ex-combatentes receberiam um benefício mais elevado do que o salário mínimo. Em um país onde grande parte dos cidadãos não vive a guerra, a campanha do “não” conseguiu convencer a muitos de que os custos da paz seriam maiores do que o de continuar o conflito.

 

À luz desta reflexão, o que é realmente memorável é que um presidente impopular tenha conseguido convencer metade dos colombianos quanto aos benefícios de pactuar um acordo de paz com uma organização na qual apenas 6% da população confia. O obstáculo do plebiscito foi superado e os acordos estão sendo implementados. É provável que o apoio à paz com as FARC aumente, à medida que os cidadãos enxerguem que os elevados custos da paz não são como se pensava. No entanto, dada a enorme influência de Uribe sobre a opinião pública, embora siga se opondo à “paz de Santos”, o futuro do acordo permanecerá incerto. As eleições presidenciais de 2018 são pressentidas como um segundo plebiscito sobre os acordos de paz.

As eleições presidenciais de 2018 são pressentidas como um segundo plebiscito sobre os acordos de paz.

Miguel García Sánchez
Codiretor do Observatório da Democracia da Universidade dos Andes / Colômbia
É PhD em Ciência Política pela Universidade de Pittsburgh e Mestre em Estudos Políticos pelo Instituto de Estudos Políticos e Relações Internacionais (IEPRI) pela Universidade Nacional da Colômbia. Atualmente exerce o cargo de Professor Associado do Departamento de Ciência Política da Universidade dos Andes e de codiretor do Observatório da Democracia. Publicou diversos artigos e capítulos de livros, realizou múltiplas apresentações e participou de projetos de investigação sobre estudos eleitorais e de opinião pública relacionados ao impacto dos contextos sociais sobre o comportamento político individual, a formação e a mudança de opiniões políticas. [Colômbia].

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