UNO Março 2017

No reino da pós-verdade, a irrelevância é o castigo

Ainda que a mentira se vista de pós-verdade, permanece sendo mentira. Decidimos, como sociedade, sucumbir ao mundo orwelliano. Aceitamos que o neologismo se impusesse com o uso de conceitos que não fazem nada além de esconder uma realidade muito pouco atraente. Aceitamos ser controlados por milhões de telas que nos observam todos os dias. Aceitamos, dia a dia, deixar de ocupar nosso lugar na defesa de sociedades livres e democráticas. Fizemos isso sem nos darmos conta. Adoçando a realidade com conceitos que funcionam como o placebo de um trending topic. A pós-verdade nada mais é que o reino da mentira.

 

A pós-verdade não é um fenômeno novo. Ao contrário. O que hoje chamamos de pós-verdade, em outras décadas chamávamos de propaganda. A criação de realidades alternativas sob os comandos do controle dos meios de comunicação. Realidades alternativas que não se baseiam em fatos, mas em emoções. Realidades alternativas que se baseiam na percepção, não em dados. A diferença em relação a outras épocas é que temos ao nosso alcance hoje, ferramentas de dois gumes. Por um lado, permitem ter acesso às fontes de informação necessárias para identificar e combater a mentira. E ao mesmo tempo, dão um impulso jamais visto à mentira, que corre como a pólvora e permanece na superfície durante anos. É ao mesmo tempo possível e impossível.

 

Mas nem tudo é culpa da Internet. A Internet não é nada mais do que um canal. Uma ferramenta. O lugar em que algo ocorre. É sobre o uso daqueles que querem criar uma realidade alternativa que devemos colocar no centro da discussão. O que devemos analisar é por que permitimos que aqueles que querem construir a sua realidade à base de mentiras podem fazê-lo. O que devemos discernir é como podemos usar todas as ferramentas à nossa disposição para que a verdade impere e como podemos viver em democracias fortes. E quanto a isso, a comunicação tem muito a dizer.

O que devemos discernir é como podemos usar todas as ferramentas à nossa disposição para que a verdade impere e como podemos viver em democracias fortes.

Desde a ascensão de Donald Trump à presidência dos Estados Unidos, uma imagem aparece como um cogumelo na minha timeline do Facebook. É um gráfico muito simples, com os logotipos dos principais meios de comunicação social deste país, organizados de acordo com a sua confiabilidade e com seu espectro ideológico. Essa imagem, que aparece intermitentemente nas telas de milhões de pessoas todos os dias, não faz nada além de nos lembrar que, no dia em que nos rendermos quanto a ter uma educação melhor, perderemos esta guerra sem sequer termos nos apresentado no campo de batalha.

 

Nossas sociedades continuam sem oferecer ferramentas educacionais melhores para permitir discernir a verdade da mentira. Vivemos em sociedades com níveis de leitura ínfimos, programas educacionais afetados por cortes e nas quais apenas o on-line entraram em sala de aula. Se não nos educamos, somos vulneráveis às mentiras. Podemos ser alfabetizados, mas seremos ignorantes. As condições perfeitas para que o vírus da mentira se propague.

 

Deixamos de confiar nas instituições, na política, nas empresas. As parcelas de confiança no que antes era quase sacrossanto não fizeram outra coisa senão reduzir ao longo da última década. Somos vulneráveis às mentiras e não confiamos naqueles que são objeto destes ataques. Se antes uma instituição tinha o benefício da dúvida, hoje outros se beneficiam dela.

 

Temos, portanto, um fértil terreno que só pode nos causar danos. As instituições, os governos, as empresas… nossas sociedades como um todo. E a estratégia de resposta diante desta ameaça não pode vir da tradição. Não se pode lutar contra a pós-verdade com uma nota de imprensa. Nem com um artigo no jornal Expansión. Esta guerra se joga na rede. Os tanques não servem.

 

Esta guerra é travada em seus próprios espaços. É preciso atacar a mentira onde ela é produzida. Não esperar que a ação em outros campos permita chegar a todos aqueles que já acreditaram nela de pés juntos. Já não há tempo para avaliar se estar ou não estar presente na rede é uma boa ou má decisão. Já não há tempo para acreditar se esta ou aquela rede social é boa ou não para um interlocutor. A mentira viaja a uma velocidade vertiginosa e a batalha deve ser travada no mesmo campo.

 

Esta guerra requer uma nova cultura de resposta. As instituições devem perder, de uma vez por todas, o medo de relacionar-se com os cidadãos. As empresas devem entender que a melhor maneira de aumentar as vendas é relacionar-se com seus clientes. Quando uma mentira pode afetar a reputação e, portanto, a confiança que as pessoas têm em uma instituição ou empresa, é imperativo responder. Na Change.org vemos, diariamente, muitas pessoas fazerem uso da plataforma para iniciar petições endereçadas às instituições e empresas. Não gerir esses pedidos e decidir não responder e deixar nas entrelinhas a própria instituição, é suicídio. Temos as ferramentas para responder. Não podemos esconder-nos da artilharia comunicativa do século XX.

Esta guerra requer uma nova cultura de resposta. As instituições devem perder, de uma vez por todas, o medo de relacionar-se com os cidadãos.

Como pessoas normais, devemos falar a pessoas normais. Falar onde as pessoas estejam falando de nós. Debater com emoção o que diz a razão. Do contrário, as instituições sobre as quais se sustentam nossas democracias correm o risco de serem irrelevantes. Esse é o grande risco da pós-verdade. Ser tão atacados e estar tão desconectados que as instituições e as empresas passem a ser irrelevantes. Que a sua realidade alternativa, baseada na mentira, passe a ser a alternativa à realidade.

Albert Medrán
Diretor de comunicação da plataforma Change.org na Espanha / Espanha
É diretor de comunicação da plataforma Change.org, na Espanha. Especializado em comunicação corporativa, digital e política, foi membro da equipe digital da campanha de Hillary Clinton. Iniciou sua carreira na LLORENTE & CUENCA, onde foi consultor de comunicação on-line. Colabora, regularmente, como analista político em meios de comunicação, como La Sexta e a Rádio Flaixbac. [Espanha].

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