UNO Julho 2020

Decisões éticas em políticas de saúde pública na atenção médica sob condições de incerteza

Esta é uma contribuição que proporciona uma visão geral do conteúdo ético da política em saúde pública para a atenção em medicina crítica durante a pandemia de COVID-19 no México.

A COVID-19 é uma enfermidade infecciosa emergente, causada pelo vírus SARS-CoV-2, que tem manifestações clínicas muito sérias em aproximadamente 6% da população que a contrai.1 Atualmente não existe tratamento profilático nem curativo para a COVID-19 e mesmo que a ciência básica avance e alguns testes clínicos estão em andamento, na data de hoje tampouco existe uma vacina.

A expansão do vírus a todo o mundo, seu índice de contágio e mortalidade, assim como seu impacto sobre a vida, dinâmicas das pessoas e dos sistemas de saúde, e a economia dos povos, causam uma emergência de saúde mundial de enormes proporções que requer planos de contingência e atenção excepcionais.

“O Guia Bioético procura salvar a maior quantidade de vidas, sinalizando a partir do início que todas as vidas possuem igual valor”

O México reconheceu a declaração da pandemia pelo vírus SARS-CoV-2 emitida em 11 de março de 2020 pela Organização Mundial da Saúde.2 No dia 19 de março de 2020 o Conselho de Salubridade Geral (CSG) do México reconhece a enfermidade causada pelo vírus por SARS-CoV-2, COVID-19 como uma enfermidade grave de atenção prioritária e no dia 30 de março o CSG estabeleceu um acordo pelo qual se declara emergência de saúde por causa de força maior, à epidemia de enfermidade gerada pelo vírus SARS-CoV2 (COVID-19).

A uns dias de que a Organização Mundial da Saúde (OMS) declarara a pandemia, o Comitê de Ética da Comissão Científica do CSG convocou a participação de reconhecidos bioeticistas, especialistas em direito, filosofia, medicina, e psicologia para organizar a elaboração de um projeto de guia bioética de triagem com dos objetivos: o primordial, salvar o maior número de vidas; e de maneira importante, preparar a nossos profissionais da saúde para enfrentar um cenário de escassez de recursos em medicina crítica e auxiliá-los na tomada de decisões.

Em 11 de Abril de 2020, o Comitê de Ética do CSG decide tornar público em sua página web um documento de trabalho intitulado: “Projeto de Guia Bioético para Designação de Recursos Limitados de Medicina Crítica em Situação de Emergência”. Se decidiu tornar público um projeto como documento de trabalho com a intenção de fornecer a processos de criação de políticas públicas em saúde, transparência, informação e prestação de contas. Depois de várias revisões do projeto de guia publicado na página do CSG, em 30 de abril de 2020, uma vez apresentado e discutido no pleno do CSG, e contando com um amplo consenso reunido pelo apoio da Organização Pan-americana da Saúde, Conselhos de Especialidades Médicas e organizações da sociedade civil, o CSG publicou o “Guia Bioético para Designação de Recursos Limitados de Medicina Crítica
em Situação de Emergência”4 (em diante, Guia Bioético) em sua página web.

O Guia Bioético procura salvar a maior quantidade de vidas, sinalizando a partir do início que todas as vidas possuem igual valor. O Guia Bioético consta de uma série de recomendações com o objetivo antes indicado, além de apoiar o pessoal da área da saúde na tomada de decisões sobre o acesso de pacientes a unidades de medicina crítica quando os recursos sejam insuficientes ou se vejam ultrapassados em situação de emergência de saúde. As pautas éticas e de ação no Guia Bioético contribuem para orientar a atuação dos profissionais da saúde e, ao mesmo tempo, facilitar a toma de decisão de maneira homogênea, com critérios justos no atendimento a pacientes e situações críticas. Um elemento crucial no Guia Bioético é também o respeito à autonomia do paciente em suas decisões de atendimento de saúde, sobre intubação, cuidados críticos e cuidados paliativos que se podem estabelecer mediante vontades antecipadas, ou bem no próprio expediente clínico. Se faz um chamado a elaborar protocolos neste aspecto para uma melhor comunicação e despedidas entre familiares. Desta maneira, se incorpora o uso de vídeo chamadas e outras tecnologias para não colocar em risco as famílias e para que sigam em comunicação com seus seres queridos.

Outro eixo fundamental do Guia Bioético é o princípio bioético de justiça social e põe em destaque a proteção do bem comum sobre o bem individual, sem menosprezo da importância deste último. Reforça o princípio de não exclusão e não discriminação, enfatizando medidas equitativas e igualdade de tratamento. Se reconhece o valor que possui o pessoal da saúde ao enfrentar com maior risco a pandemia e, portanto, se reconhece sua prioridade no acesso a atenção de medicina crítica. De maneira importante, em situações de desempate entre dois pacientes com igual diagnóstico e diante da possibilidade de um único recurso, se estabelece a consideração a grupos historicamente em situação de vulnerabilidade, assim como a perspectiva de gênero como mecanismo de decisão nessa situação. Os critérios médico-científicos se fundamentam em objetivos de saúde pública, utilizando escalas de situação, diagnóstico e gravidade existentes. Considera indicadores como: probabilidade de sobrevivência, duração da estadia hospitalar e a relação qualidade de vida/anos para que o uso de um recurso escasso não seja fútil.

Este guia foi elaborado para enfrentar a pandemia de COVID-19, tomando como fundamento princípios de ética em saúde pública, assim como princípios de direitos humanos com o qual permite sua aplicação em outras situações de emergência de saúde.

José Ignacio Santos
Secretário de Conselho de Salubridade Geral. Doutor em Medicina pela Universidade de Stanford.
Doutor em Medicina pela Universidade de Stanford. Especializado em Pediatria no Centro Médico da Universidade de Stanford. Pós-graduação em Infectologia e Imunologia Clínica na Universidade de Utah. Biólogo e mestre em Ciências pela Universidade Estatal Politécnica de Califórnia em Pomona, Califórnia. Diplomado em Alta Direção pelo Instituto Pan-americano de Alta Direção da Universidade Pan-americana do México. [México]
María de Jesús Medina
Doutora em Bioética e Jurisprudência Médica pela Universidade de Manchester, Reino Unido
Desde o ano de 2013 forma parte do Sistema Nacional de Pesquisadores SNI, Nível 1, CONACyT. Coordenadora Acadêmica do Curso em Bioética, Saúde e Biodireito do IIJ. Desde 2013, é membro do Colégio de Bioética A.C. em onde é Secretaria Acadêmica. Desde 2017, é membro do Conselho Executivo da Associação Internacional de Bioética (IAB), onde é secretaria. Desde 2019 é membro do Comitê Universitário de Ética da UNAM e membro do Comitê de Ética do Conselho de Salubridade Geral no México.[México]

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