UNO Novembro 2020

LIDERANÇAS SUSTENTÁVEIS em TEMPOS de MUDANÇA

Por que será que no século em que mais se escreveu sobre a liderança tenhamos tão poucos (bons) líderes? As livrarias dos aeroportos enchem suas estantes de manuais do sucesso, que concentram seus conselhos sobre liderança. É normal. As habilidades necessárias para administrar equipes, para empreender, resolver problemas e crises, unificar vontades, convencer a si próprio e a outros, enfrentar inimigos e forças antagônicas (e vencê-las), obter o melhor das pessoas que te acompanham e conseguir vitórias em períodos ou em situações difíceis, só é possível com lideranças fortes, autênticas e reconhecidas.

Há uma expressão mexicana que reflete bem o contrário da liderança: “nadar mortinho”. Deixar-se levar pela onda, estender os braços e mover-se mansamente pela suavidade de um mar calmo. Mas, claro, o mar está sempre agitado pelo vento e as tempestades (ultimamente perfeitas) não permitem esses prazeres.

Vivemos tempos difíceis. A competição é selvagem, o mercado é planetário, a velocidade de tudo é diabólica, as mudanças tecnológicas e sociais são profundas e os paradigmas sobre os quais havíamos construído nossos modelos de vida e trabalho desapareceram. Por isso, a primeira condição da liderança é conhecer o mundo que vivemos e circular por ele, sendo protagonista e não espectador dessas mudanças. Saber que estamos em uma mudança de época, não em uma época de mudanças e que a COVID, talvez, represente o ponto de inflexão e o verdadeiro começo do novo século.

Liderança é também a capacidade de compreender e compartilhar os sentimentos das pessoas. Ser consciente do que acontece na vida dos outros. Muitas das grandes causas humanas, aquelas que caracterizam a civilização contemporânea, respondem a sentimentos humanos profundos e irreversíveis: a liberdade, a justiça, a dignidade, a igualdade, os direitos humanos, etc.  Esses sentimentos seguem vivos no coração das pessoas. Todos nós aspiramos a eles e sofremos suas ausências, o que exige do líder o gerenciamento desses sentimentos entres os que o acompanham e uma busca constante por eles.

Liderança é também a capacidade de compreender e compartilhar os sentimentos das pessoas. Ser consciente do que acontece na vida dos outros.

Liderar é decidir. Saber que a cadeia de telefonemas e a hierarquia de consultas, acabam em seu escritório. Não há mais chamadas, não há outras pessoas nem reuniões a consultar. Cabe ao líder decidir e escolher entre soluções imperfeitas, cheias de contradições e riscos. Decidir é calcular, prever cenários. Ser capaz de intuir qual será o resultado de suas medidas, quais serão as reações dos que forem impactados por elas e como você vai conseguir atingir seus propósitos apesar de tudo.

Liderar é convencer. Fazer com que os seus colaboradores vivam o projeto, compreendam o caminho e entendam e compartilhem o destino. Ter a capacidade de transformar uma ideia em realidade. É necessária uma base comum sobre a qual deve-se construir juntos. O líder orienta, propõe, sugere e constrói sobre uma convicção comum, com motivos compartilhados. Liderar é convencer seu entorno (pequeno ou grande) da racionalidade de suas propostas, da necessidade de fazer o que você propõe, apesar de custar caro, de ser difícil e de que ser a opção mais popular. Por isso, a liderança é o contrário do populismo, apesar de que muitos confundem os dois. Os líderes populistas não são líderes, são populistas.

Liderar é dar o exemplo. Ninguém consegue manter seu lugar na hierarquia e sua capacidade de comando sem a credibilidade de seu exemplo. É uma questão de honestidade com os outros e consigo mesmo. Liderança é compromisso, é a procura do acordo e a construção de objetivos comuns com outros. É ter uma concepção dialógica do futuro e do multilateralismo que deve reger o mundo. Da paz como única maneira de viver e ter o grande compromisso de enfrentar uma agenda internacional cada vez mais ampla e transcendente à totalidade da vida e à imensidão do planeta.

Liderança é responsabilidade. Pensar mais no propósito da empresa que nos benefícios, no bem comum dos stakeholders que no interesse financeiro dos acionistas. Responsabilidade é pensar nos outros, superar o sectarismo e se ver imerso no interesse geral e não no interesse do partido.

Liderança é responsabilidade. Pensar mais no propósito da empresa que nos benefícios, no bem comum dos stakeholders que no interesse financeiro dos acionistas.

Falamos de liderança em tempos de pandemia. Merkel liderou a Alemanha nesta catástrofe em um país composto (federal) por comunidades (Länder). Os Estados Unidos perderam a liderança internacional ao renunciar a seus compromissos com seus aliados. Macron e Merkel lideraram na Europa um plano inédito, extraordinário, de recuperação na crise. A América Latina não tem líderes para enfrentar as gravíssimas consequências socioeconômicas da pandemia.

Há muitos conselhos nos livros de autoajuda que não forjam lideranças. São jogadores de tempos curtos, de um mundo pequeno, de espaços mesquinhos, egoístas. Hoje, depois da COVID, o mundo é distinto. As pessoas querem líderes que construam e pactuem, não que destruam com repreensões. Todos demandam melhores serviços públicos e isso exigirá solidariedade. Há que sair da crise e isso demanda esforços fiscais coletivos. Há que aproveitar a ajuda europeias e, para isso, é preciso que comunidades, empresas, universidades, articulem sua relação com o Estado de maneira eficiente. Necessitamos um grau superior de responsabilidade. Todos, em todos os âmbitos da vida. Responsabilidade individual e coletiva.

Necessitamos ser o país que fomos (A “Alemanha do Sul”, como nos chamaram) para ganhar o desafio do futuro. Necessitamos lideranças pessoais, em todos os níveis, públicos e privados. Lideranças sólidas, exemplares, responsáveis, comprometidas. Lideranças sustentáveis. Também isso.

Ramón Jáuregui Atondo
Presidente da Fundação Euroamerica
Formado em Engenharia Técnica e Direito. Ex-secretário geral do Partido Socialista Espanhol (PSOE) no País Basco e membro do Parlamento Basco, do Congresso de Deputados da Espanha e do Parlamento Europeu. Foi vice-presidente do governo basco entre 1987 e 1991, e foi ministro da presidência do governo espanhol entre 2010 e 2011. Foi presidente da Delegação Parlamentar UE-México junto ao Parlamento Europeu e da Assembleia Parlamentar Eurolat. Desde 2019, é presidente da Fundação Euroamerica.

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