UNO Novembro 2020

UNO +1 Questionário entrevista Antonio Garamendi

São já muitos meses com a pandemia condicionando nosso dia a dia. Está claro, Antonio, que a situação que sofremos também situou vocês, os líderes empresariais, em frente a um desafio sem precedentes. Como você avalia o gerenciamento que vocês estão fazendo? Você acredita que ele atende a demanda da sociedade?

Acredito sinceramente que essa crise tão dramática está mostrando o melhor de cada um. Mas também está servindo para que todos sejamos conscientes de qual é o papel das empresas na economia e na sociedade. 

A partir do gerenciamento particular de cada negócio no qual, a propósito, todas as empresas estão fazendo o máximo possível para manter a atividade e o emprego, até os acordos que estamos alcançando nas organizações empresariais tem sido na estrutura do diálogo social. O certo é que os empresários assumiram que ser mais conscientes é possível, que somos o motor da economia.

Isso foi visto claramente durante a cúpula que realizamos na CEOE no mês de junho passado, na qual a mensagem principal que se traspassou foi que as empresas são parte, se não a pedra angular, da recuperação, e que assumimos e queremos liderar a saída da crise, porque nosso objetivo final é o bem comum. Se tudo der certo para nós, dará certo para todos, que é nosso objetivo prioritário.

Nesse sentido e para resumir, acredito que os empresários estão onde as circunstâncias exigem e, quando passarem os anos e olharmos para trás, vamos ver que nós estivemos e cumprimos com a sociedade quando ela nos necessitou. 

Imagino que, como líder empresarial, você já pode extrair alguma aprendizagem com o vivido e sofrido até agora, com que ensinamentos ficamos?

Muitos e muitos importantes, porque essa conjuntura está nos colocando como dizia em primeira linha de fogo e nos exige respostas e resultados. Acertaremos ou falharemos, mas de tudo isso, nós aprenderemos algo.

Alguns destes ensinamentos são claros: o líder se mostra e tem um papel fundamental em ambientes de mudança e de crise, como os que estamos vivendo. Seu papel está centrado em seu trabalho por transformar e colocar as pessoas no centro. O líder deve saber mobilizar a partir das emoções, conseguir impulsionar ações e se adaptar às necessidades da sociedade.

Acredito que um exemplo claro disso foi a negociação dos expedientes de regulação de emprego (ERTEs). É algo que os empresários acordaram no mês de março passado com os sindicatos antes de ir à mesa de diálogo social com o Governo.

Ideamos e depois pactuamos, e o resultado foi uma rede de segurança na qual até este momento muitas empresas e empregos hibernaram com o desejo de que em breve voltem à normalidade e que nós tenhamos podido salvar o máximo possível.

Outro ensinamento trazido é que não podemos ficar parados esperando que cheguem as soluções, o líder tem um papel proativo. Quando a pandemia golpeava com maior virulência, pedimos testes massivos, poder fazer PCRs nas empresas… pois bem, isso agora faz parte do cotidiano e está nos ajudando muito na hora de manter a segurança e a saúde nas empresas e, inclusive, de atuar como rastreadores.

Mas se há algo eu tenho que ficar é com a vocação de serviço à sociedade. A liderança empresarial transcende do balanço e, nesse sentido, nossas empresas fizeram uma demonstração exemplar de solidariedade nos últimos meses, transformando sua produção para fornecer material médico, por exemplo. Cobriram as necessidades sociais, das quais também nos sentimos responsáveis, ao colocar em prática os valores da empresa.

Faz tempo que se fala da crise da liderança tradicional e isso se tornou mais evidente com a irrupção da COVID-19. Você compartilha a ideia de que essa pandemia acelerou a demanda, por parte da sociedade, de novos modelos de liderança? 

De fato. Do mesmo modo que não é o mesmo a autoritas que a potestas, não é a mesma coisa dirigir que liderar, a partir da responsabilidade e da colaboração. Quero dizer, a liderança clássica sobre uma hierarquia rígida já não tem lugar no mundo atual, no qual as pessoas têm voz e necessitam usá-la. O líder canaliza agora essas vozes. Na direção dos novos modelos de gerenciamento a participação é fundamental e o líder é uma figura inspiradora e capaz de obter o melhor resultado, por contá-lo de uma maneira gráfica, de baixo para cima. Sem dúvida a estrutura das empresas mudou, os organogramas, as formas de organização… necessariamente há que adaptar as formas de capitanear tudo isso.

Na LLYC publicamos recentemente um relatório cujo objetivo foi antecipar como serão os líderes do futuro. Você tem muita experiência, é uma voz autorizada ao estar à frente da principal organização empresarial da Espanha, que conselhos ou recomendações você daria a esses jovens? 

Não acredito que seja eu quem tenha que dar conselhos, porque a verdade é que se há alguém para aprender são as futuras gerações, que vêm de passar uma crise econômica de 2008 tremenda e agora estão lidando com esta pandemia. Em qualquer caso, e pensando mais em minha etapa como fundador da organização de jovens empresários do País Basco, acredito que no futuro vai ser necessário, mais do que nunca, a paixão pelo próprio trabalho e o otimismo. 

O líder tem um papel de consenso, facilitador, que dá valor e põe o foco no que deve nos mover, e lhes deverá mover; e a possibilidade de fazer algo pela sociedade. Nestes momentos nos quais a comunicação é uma ferramenta muito potente, no qual a digitalização está nos aproximando cada vez mais, inclusive, em momentos de isolamento, acredito que é o momento de assumir como próprios os objetivos coletivos. Acredito que o mundo do futuro será mais emocional, onde o líder exercerá seu papel com paixão.

Uma das características desses líderes do futuro é o alto nível de compromisso que mostram com o coletivo. O estudo demonstra que suas ações promovem o sentido de comunidade. De fato, parece que as empresas que saíram mais reforçadas desta crise são as que reforçaram seu compromisso com a sociedade. É evidente que o “ativismo de marca ou corporativo” foi impulsado, que há outra forma de olhar por parte das empresas, não?

Eu acredito que o pôs à prova. Esse ativismo de marca é o que viemos chamando de responsabilidade social empresarial, isso que faz uma década ou mais parecia uma questão estética, uma ferramenta de marketing, e que já é algo que está no DNA da maioria das empresas. É algo que se reflete nos organogramas, por exemplo. Mas, sobretudo, é um elemento de competitividade, porque a responsabilidade empresarial é algo que os cidadãos nos demandam em um momento no qual temos adiante o desafio de assumir como próprios em nossas empresas os objetivos de desenvolvimento sustentável (ODS) das Nações Unidas.

Dito isto, em efeito, esta pandemia nos fez olhar tudo com os olhos mais humanos e solidários e, neste sentido, demonstrou que essa nova forma de olhar das empresas já estava aí, daí sua capacidade para administrar do modo mais responsável a crise.

Outra das características da nova liderança é seu elevado componente digital. O papel dos líderes empresariais nas Redes Sociais tem que mudar? Já é inevitável que estejamos presentes nas redes?

Esse é um tema que entra também na esfera pessoal. No meu caso, estou presente nas redes sociais como presidente da CEOE e acredito que é uma outra forma de dar visibilidade a nossas ações e de agregar transparência. Também é um canal muito direto para trasladar questões que, talvez, não sejam possíveis abordar suficientemente com a humanidade por meio dos canais habituais da comunicação. Estou convencido de que há a proximidade com as empresas e os cidadãos, mesmo de que ela nos exponha em muitos casos às críticas.

A generalização do teletrabalho é outra das consequências desta pandemia. Aqui, o que você opina? Essa forma de trabalhar influirá na forma de liderar e administrar as equipes? 

Viemos dizendo na CEOE desde o início da pandemia e da expansão do teletrabalho que chegou para ficar, mas que o mais adequado talvez seja pensar em um modelo misto no qual todos possamos nos beneficiar das vantagens do trabalho a distância, como pode ser tudo o que agrega no caminho e na direção da sustentabilidade. Também convém manter o contato que se produz nos centros de trabalho. É fundamental. É uma forma de gerar equipes, culturas empresariais e, por que não, é uma forma de evitar o chamado ‘efeito cabana’ que, por exemplo, muito trabalhadores sofrem a longo prazo, pois desempenham seu trabalho a partir de casa e sozinhos. 

Nesse sentido, acredito que se pode liderar perfeitamente trabalhando à distância, mas dando mais espaço à responsabilidade por parte do trabalhador e baseando parte da liderança em uma maior confiança nas pessoas.

No entanto, insisto em que neste contexto atual no que como dizíamos antes, os líderes serão mais empáticos, inclusivos, emocionais… o que nos dá o contato pessoal com nossas equipes para estar atualizados sobre nossas empresas, das necessidades dos trabalhadores, é algo insubstituível e, nesse sentido, quem aposta com mais intensidade pelo teletrabalho, terá que procurar a forma de conseguir, na medida do possível, essa proximidade.

Sempre defendeu o comércio, o grande e o pequeno. Sem dúvida, a pandemia e as mudanças nos hábitos de consumo também influíram neste setor. Em sua opinião, devemos ser todos mais solidários agora com nosso comércio de bairro?

Devemos ser todos mais solidários com todos. O comércio de bairro sofreu durante a pandemia, sem dúvida, como muitos outros setores para os quais, a partir da CEOE, tratamos de conseguir no diálogo social com Governo e sindicatos medidas que aliviasse sua situação. No entanto, ao mesmo tempo em que estamos nesse esforço, precisamos trabalhar em outras frentes: atendendo às medidas de segurança de saúde, fazendo exames massivos, multiplicando os rastreadores para que pudéssemos ir a esses comércios com confiança. Também é preciso trabalhar para que os fundos europeus, que estão por chegar, empreguem da melhor maneira possível, impulsando por exemplo a digitalização das PMEs.

Recentemente, o FMI fez umas previsões muito negativas sobre a economia espanhola, não sei se você é tão pessimista. A recuperação vai demorar mais que o previsto? E em que bases você acredita que se tem que assentar o relançamento da atividade?

É certo que o FMI melhorou as previsões para o nosso entorno, mas não para Espanha. Também que suas previsões de crescimento para este ano são algo mais pessimistas que as que manejamos na CEOE. No entanto, acredito que em um cenário de tanta incerteza, as previsões podem mudar e o que nos resta é avançar, seguir trabalhando e tratar de conjugar todos esses prognósticos.

Como? Nesse sentido, coincidimos com o FMI e com o Banco da Espanha também. Há de se manter os estímulos implantados durante todo o tempo que seja necessário para sustentar o tecido produtivo e o consumo das família, para seguir mantendo em pé a economia. E no fundo, é imprescindível que façamos um bom uso dos fundos europeus aos que me referi antes. Temos pela frente até 140 bilhões de euros para recompor a economia. Quando digo recompor, não é somente reavivá-la, mas dar lugar a um modelo produtivo mais industrial, mais digital e mais sustentável. Um modelo melhor, no qual a produtividade cresça e nos permita gerar mais e melhor emprego. Temos a possibilidade de nos levantar e ser melhor. Por parte da CEOE, seguimos trabalhando sem descanso na Oficina Técnica de Apoio a Projetos Europeus para facilitar o acesso das empresas que tenham projetos nessa linha a esses fundos. 

Em suas últimas intervenções noto que você está preocupado sobre a situação política, em concreto sobre o radicalismo no que estão alguns responsáveis. A nova liderança tem que ser obrigatoriamente mais moderada?

Em efeito, acredito que sobra ruído e que o que a sociedade espanhola nos está pedindo é que seguremos o time com firmeza, focados em nossos objetivos e que trabalhemos ombro a ombro. Isso inclui deixar os extremos para um ou outro lado e rebaixar as tensões, atuar a partir da moderação e construir, construir e construir. Isso é algo que devemos aplicar todos, porque todos somos parte da solução. Desde a classe política até o cidadão comum e os empresários. Há suficiente em jogo para que não se siga na disputa e na crispação.

A partir do ponto de vista pessoal, como você está levando essa situação tão anômala que tivemos que viver? No caso de haver, com que coisas positivas você fica desta experiência?

Obviamente, como um cidadão a mais, é uma situação incômoda, preocupante e triste em muitos casos. Mas tenho a oportunidade de agregar a partir de minha posição para que tudo vá se solucionando. É uma grande responsabilidade, mas ao mesmo tempo um enorme privilégio poder servir neste momento tão crítico a nossas empresas e nosso país. Fico com isso e com admiração pela sociedade espanhola, que está resistindo de uma maneira exemplar a tudo o que está ocorrendo. Quando tudo passar, e passará, olharemos para trás e vamos ver que grande país somos. Se eu tivesse que ficar com um sentimento, por tudo isto que disse, ficaria com o sentimento de orgulho diante do que vejo.

Antonio Garamendi
Presidente da CEOE
Bacharel em Direito pela Universidade de Deusto. Foi parte do Conselho da Babcock & Wilcox española S.A; Albura S.A; Red Eléctrica de España S.A; Tubos Reunidos S.A e vice-presidente da Entel Ibai S.A. Atualmente, sua atividade empresarial está centrada nos setores do metal, construção, seguros e hotelaria; é conselheiro independente e vice-presidente da Aenor Internacional. Hoje em dia, também preside a Fundação AYUDARE e é membro da Fundação de Ajuda contra a Adição às Drogas (FAD); do Conselho Assessor da Cátedra Internacional da Mulher, Empresa e Esporte da Universidade UCAM; e pertenceu ao Patronato do Museu Guggenheim.

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