UNO Agosto 2013

América Latina, a nova centralidade

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Uma boa parte da resposta que explicaria a emergência da América Latina como uma área do planeta que foi se transformando em um mercado de expansão e desenvolvimento das economias mais evoluídas teria mais a ver com a geopolítica do que com uma análise estritamente financeira. Por um lado, a ascensão da China como nova potência mundial, que apresenta registros espetaculares no crescimento do seu PIB posicionou o continente americano em uma faixa estratégica, entre o Pacífico e o Atlântico. Por outro, a presidência Barack Obama nos Estados Unidos marcou um ponto de inflexão no modelo de prioridades norte-americanas. Obama foi, e está sendo, o menos “atlantista” dos inquilinos da Casa Branca desde o final da II Guerra Mundial. A combinação de ambas as circunstâncias históricas posicionou a Europa em certa margem periférica.

A ascensão da China como nova potência mundial posicionou o continente americano em uma faixa estratégica, entre o Pacífico e o Atlântico

Mas a centralidade do espaço latino-americano não se explica somente nem principalmente por fatores exógenos, mas também pelos endógenos: o dinamismo das principais sociedades latino-americanas e as profundas transformações socioeconômicas e políticas de determinados países-líderes na Região. O grupo –bem diferente entre si, mas com um enorme efeito estabilizador– que é composto pelo Brasil, Chile e México é um elemento decisivo da análise do caráter central da América do Sul, ao qual deve ser acrescentada a seriedade e profundidade do processo de reinstitucionalização e pacificação interna da Colômbia. A exuberância do Panamá, o constante assentamento do Peru e a solvência de países pequenos, mas seguros, como a Costa Rica e a República Republicana, compõe um quadro de situação realmente gratificante. De fato, outras nações latino-americanas provocaram desajustes em uma descrição homogênea da América Latina –a Venezuela e a incógnita do chavismo; Cuba e seu futuro depois de Fidel Castro; a Argentina e sua peculiar gestão governamental e social; a Bolívia e o indigenismo–, mas uma visão de conjunto projeta uma imagem com muito mais luzes que sombras.

15Na América Latina, cujas nações se sentem plenamente donas do seu futuro, recusam tratamentos paternalistas, desafiam aspirações de tutela externa e brigam por um estatuto internacional que reconheça suas capacidades presentes e suas potencialidades, seja dirimida uma essencial batalha pela liderança regional. Tal liderança tão desejada pelo Brasil, que deve disputá-la com o México, mas pela qual também os Estados Unidos pensa em competir depois de sua desalentada retirada há duas décadas. Para a América do Norte, o Cone Sul americano já não é o pátio dos fundos, que exigiria somente vigilância e controle. A profunda entrada hispânica nos Estados Unidos –quase cinquenta milhões de falantes de espanhol, que origina uma mistura de cultura e impacto político– e a abertura de alguns mercados demandantes, agora não somente de mercadorias, mas também de produtos sofisticados (tecnologia) com grande valor agregado, parece estar movimentando as convenções e tópicos que mantiveram preso no passado recente a política exterior da Casa Branca com relação aos seus vizinhos do sul, muito versátil, nesse caso com mais razão, em suas relações com a República Chinesa, que exige deles de forma progressiva uma ampla gama de matérias-primas.

Nesse contexto promissor –com certeza passível de riscos, como podemos comprovar recentemente na Argentina e na Bolívia e, antes, na Venezuela– a Espanha exerce um papel específico e decisivo. Específico, porque a vinculação com os países latino-americanos contribui com uma solidez histórica reforçada pela comunidade idiomática –no caso do Brasil, o espanhol e o português convivem com facilidade e com empréstimos recíprocos– e a afinidade cultural e de hábitos. E decisivo, porque tanto devido ao que foi dito anteriormente como pelo entendimento entre aquelas sociedades e esta, fazem dos países latino-americanos um espaço natural da internacionalização das nossas empresas e constituem os mercados nos quais a Espanha poderia relançar setores produtivos importantes incentivando as exportações.

A presença espanhola na América Latina não é um ideal, mas sim uma realidade pujante. O sistema bancário espanhol calculara seu negócio nessa região em mais de 600 bilhões de euros. As duas grandes entidades –Santander e BBVA– obtêm entre 50% e 68% do seu lucro, especialmente nos mercados financeiros do Brasil e do México. A bancarização da América Latina constitui uma expectativa verdadeiramente promissora para o sistema financeiro espanhol, afiançado agora –fora do razoável– pelos ratings que disciplinam com dureza o risco-país do Reino da Espanha. Em uma data tão próxima como 2015, os países latino-americanos formaram o mercado preferencial de setores espanhóis muito qualificados: não somente o sistema bancário. Além do setor energético (Repsol, Iberdrola, REE, GN-Fenosa), o construtor (ACS, FCC, Acciona) e o gestor de infraestruturas (Ferrovial, OHL, Abertis), entre outros. Por não mencionar –por ser óbvia– a fundamental presença da Telefónica em todo o espaço da Região. O conjunto das empresas do Ibex obtém mais de 22% de suas vendas nos mercados latino-americanos e a tendência, longe de estagnar-se, é crescente. As incertezas são instigadas, naturalmente, mas parecem ser muito mais as certezas que as dúvidas.

As nações latino-americanas lutam por um estatuto internacional que reconheça suas capacidades presentes e suas potencialidades futuras

A consolidação da centralidade econômico-empresarial latino-americana, demanda, no entanto, alguns desenvolvimentos qualitativos, tanto de ordem política como jurídica. A Espanha –e não somente a Espanha– deve livrar-se de qualquer tentação hegemônica. Nem sequer estamos em condições de sermos considerados um país que seja primus inter pares com relação a qualquer um dos latino-americanos. A Espanha tem um caráter referencial na questão cultural e histórica e sua inserção europeia gerou uma servidão e uma oportunidade ao mesmo tempo: estabelecer-se como porta de entrada ao mercado da União Europeia, mas sempre e quando nossa política externa seja capaz de marcar as bases fundamentais da relação da UE com a América Latina. Será todo um desafio que para o qual serão sempre úteis as Cúpulas Ibero-americanas, com a condição de que as retóricas sejam eliminadas e mergulhem em políticas coordenadas, acordos sólidos e captem novos espaços para oportunidades de parecerias. Dentro desse contexto de uma visão renovada do conjunto ibero-americano deve ser realizado no próximo mês de novembro a Cúpula de Cádiz.

A Espanha e os países dessa América Latina registram um déficit extraordinário de comunicação recíproca, entendida como um instrumento de gestão do conhecimento de suas respectivas realidades

Na ordem jurídica, a matéria pendente de algumas nações latino-americanas consiste na garantia de que seus mercados funcionem sob o império da previsibilidade que implica a segurança jurídica. O investimento demanda certezas e garantias que vinculem igualmente aos Governos e às empresas. Ou seja, a conformação de algumas regras de jogo que prescrevam a arbitrariedade e não quebrem o esquema exigido pelos projetos industriais e as apostas financeiras, que consiste na tranquilidade de que em médio e longo prazo não será alterado por arbitrariedades, inconstâncias ou debilidades dos sistemas jurídico-políticos destes países. Se as nações latino-americanas caminham determinadas em direção à conquista desse objetivo –que define as democracias solventes– o progresso imediato será gigante.

A Espanha e os países dessa América Latina central registram –quem diria– um déficit extraordinário de comunicação recíproca, entendida como um instrumento de gestão do conhecimento de suas respectivas realidades. O trabalho prévio à entrada em mercados alternativos –mais ainda quando acham que os conhecem inercialmente– consiste de forma imprescindível em aplicar inteligência empresarial por meio da compreensão da dinâmica interna dos países de destino. A comunicação, por um lado, é a implementação de políticas de retornos sociais tangíveis nesses países ainda com bolsões de pobreza e subdesenvolvimento importantes são os dois fatores chave do sucesso. Se for feito dessa forma, um dos espaços do planeta mais fértil para o desenvolvimento e a internacionalização da nossa economia é, sem dúvida, o conjunto de países latino-americanos que com o novo século –por méritos próprios e por transformações geográficas– se posicionaram na grande faixa central (entre a Ásia e a Europa) para a economia do século XXI. ((Artículo publicado en El País Negocios el 15 de julio de 2012))

José Antonio Llorente
Sócio Fundador e Presidente da LLYC
Como especialista em comunicação corporativa e financeira, ao longo dos seus mais de 25 anos de experiência assessorou numerosas operações corporativas – fusões, aquisições, desinvestimentos, joint ventures e colocação em bolsa –. É o primeiro profissional espanhol que recebe o prêmio SABRE Award de Honra pela realização Individual dos objetivos extraordinários - SABRE Award por Outstanding Individual Achievement - um prêmio a nível europeu, concedido pela The Holmes Report. Durante dez anos trabalhou para a firma multinacional Burson-Marsteller, onde foi Conselheiro Delegado. Atualmente é membro do Patronato da Fundação Euroamérica e da Junta Diretiva da Associação Espanhola de Acionistas Minoritários de Empresas Cotizadas. Pertence também ao Conselho Assessor de PME da Confederação Espanhola das Pequenas e Médias Empresas, à Junta Diretiva da Associação de Agências de Espanha, e ao Conselho Assessor do Executive MBA em Direção de Organizações de Serviços Profissionais organizado por Garrigues. José Antonio é Licenciado em Ciências da Informação, ramo de Jornalismo, pela Universidade Complutense de Madrid, e especialista em Public Affairs pela Indiana University da Pensilvânia e pelo Henley College de Oxford.

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