UNO Maio 2022

A convergência como objetivo do Plano de Recuperação, Transformação e Resiliência

Responsável de Análise Econômica do BBVA Research e Catedrático de Fundamentos de Análise Econômica da Universidade de Valência

A pandemia da COVID-19 voltou a desatacar algumas das debilidades estruturais da economia espanhola. Como mostra o Gráfico 1, durante as últimas quatro décadas, a laguna da Espanha em termos do PIB por pessoa em idade de trabalhar em comparação aos Estados Unidos e os países mais avançados da UE (E8) se manteve relativamente estável (quase 40 pontos em comparação com EUA e algo menos da metade em comparação com E8), com mudanças associadas à situação cíclica destas economias.

A pandemia destacou algumas das fraquezas estruturais da economia espanhola. A Espanha perde rapidamente em recessões todos os ganhos de convergência que fez em expansões.

A Espanha perde rapidamente nas recessões tudo o que avança em convergência nas expansões. Após a Grande Recessão e a crise da dívida soberana, a Espanha iniciou uma nova fase de convergência com a qual reduziu em 7 pontos porcentuais sua disparidade de renda percapita em comparação com EUA e em quase cinco em comparação com E8, e se situou em termos relativos inclusive melhor que em 2007, no ciclo expansivo anterior. Porém, a crise da COVID-19 voltou a ser mais intensa na Espanha do que nas economias avançadas que nos servem de referência.

Gráfico 1: PIB por pessoa em idade de trabalhar, 1950-2022. Fonte: elaboração própria a partir da OCDE e Comissão Europeia. E8 inclui a Alemanha, Áustria, Bélgica, Dinamarca, Finlândia, Holanda, Suécia e Reino Unido.

O sucesso do PRTR dependerá tanto do acerto dos investimentos quanto da ambição das reformas a serem aprovadas e do calendário de execução.

Neste contexto, o Plano de Recuperação, Transformação e Resiliência (PRTR) aprovado em 2021 representa uma oportunidade sem precedentes para potencializar o processo de convergência da economia espanhola, além do que possa contribuir a sua recuperação cíclica durante os anos de execução do Plano. O desafio é enorme por várias razões. Em primeiro lugar, porque, quando a recuperação após a pandemia ainda não havia se completado, sobreveio o risco de outra crise associada à invasão da Ucrânia pela Rússia. Em segundo lugar, porque a retomada da convergência com as economias mais avançadas deve ser feita em pleno processo de disrupção digital e transição energética na direção de economias neutras em emissões de gases de efeito estufa. E terceiro porque a disparidade de PIB por pessoa em idade de trabalhar se explica, em partes praticamente iguais, pelo maior desemprego e a menor produtividade estrutural da Espanha em comparação com EUA e a E8. As duas últimas razões justificam que o PRTR esteja orientado a investimentos que permitam alcançar os objetivos digitais e meio ambientais, e esteja acompanhado ao mesmo tempo por uma condicionalidade que obriga a Espanha a adotar um amplo leque de reformas estruturais agrupadas em 30 componentes.

 

O sucesso do PRTR dependerá tanto do acerto dos investimentos quanto da ambição das reformas a serem aprovadas e do calendário de execução. Dada a complexidade do Plano, como se viu em 2021, a implementação das convocatórias, manifestações de interesse e PERTES, sua licitação e execução foram mais lentas do que se esperava no final de 2020 nos Orçamentos Gerais do Estado.

Todavia não se dispõe de informação suficiente para estimar que parte destes fundos europeus puderam chegar à economia real

Todavia não se dispõe de informação suficiente para estimar que parte destes fundos europeus puderam chegar à economia real nem, muito menos, para quantificar com precisão quantos décimos do crescimento do PIB de 5,1% em 2021 podem explicar-se pelo Plano. Com todas as cautelas, as estimações preliminares apontam a que seu impacto seria inferior a meio ponto do crescimento em 2021. Pelo tanto, o grosso da execução e do impacto do Plano vai se concentrar de 2022 em adiante.

 

A avaliação ex perante dois efeitos dos investimentos do PRTR mediante simulações em modelos macroeconômicos (veja-se Boscá et ao., 2021) apontava a que poderiam chegar a contribuir com um aumento de 3% do PIB de 2025 em comparação com um cenário base sem fundos, no caso de que a Espanha execute todas as subvenções potencialmente disponíveis e 50% dos empréstimos. A avaliação ex post dos efeitos dos investimentos realizados será mais reveladora. A execução dependerá não somente da concepção dos projetos de investimento. Em muitos deles, nos que está previsto que haja alavancamento de investimento privado, também estará condicionada à demanda por parte de empresas e lares. Além disso, como se viu ao longo de 2021, a existência de gargalos, restrições nas cadeias mundiais de produção e um maior tensionamento no mercado de trabalho (com setores e ocupações nos quais aumenta o número de postos de trabalho sem cobrir em relação com o desemprego), agravada pelas atuais pressões inflacionistas e a crise de energia e matérias primas, pode dar lugar a atrasos de execução, a convocatórias que tenham que repetir-se para que a demanda satisfaça a oferta de fundos disponíveis, ou a que uma parte das investimentos se filtre ao exterior, com menores efeitos no PIB perante um incremento das importações.

 

O efeito sobre o potencial de crescimento a longo prazo da economia espanhola dependerá do caráter transformador dos investimentos e de sua interação com as reformas estruturais, especialmente na medida em que possam aumentar a quantidade e qualidade do emprego e melhorar a produtividade. Como exemplo, um conjunto de reformas que conseguisse elevar de forma permanente a taxa de emprego em 10 pontos durante a presente década (convém recordar que a taxa de desemprego médio da Espanha foi de 16,9% de 1980 até 2019, antes da pandemia, frente a 6,7% na E8) permitiria incrementar o PIB por pessoa em idade de trabalhar em 12,4 pontos a longo prazo. Porém, pelo menos até agora, a reforma do mercado de trabalho de 2021 não foi o suficientemente ambiciosa para resolver seus problemas estruturais e avançar na direção uma maior flexisegurança, como nos países do centro e norte de Europa. Será necessário ver se outras medidas do PRTR, políticas ativas do mercado de trabalho ou melhora de capital humano são capazes de acelerar e consolidar não somente a convergência na taxa de emprego da Espanha às economias mais avançadas, como também a de sua produtividade.

Rafael Doménech
Responsável de Análise Econômica do BBVA Research e Catedrático de Fundamentos da Análise Econômica da Universidade de Valência
Foi diretor-geral no Escritório Econômico do Presidente do Governo, diretor do Instituto de Economia Internacional, membro da Assembleia Consultiva da Universidade de Valência e pesquisador colaborador da OCDE, Comissão Europeia, Ministério de Economia e Fazenda e da Fundação Rafael del Pino. É Membro de Honra da Associação Espanhola de Economia, vocal assessor da Fundação MasHumano, membro do Conselho Assessor do Instituto EY – Sagardoy Talento e Inovação, e diretor do Observatório de Economia Global da Escola de Organização Industrial.

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