UNO Maio 2022

América Latina: uma oportunidade de abordar uma recuperação sustentável e inclusiva

Todos vamos nos recuperando pouco a pouco. Assim como a América Latina. A pandemia impactou com força em uma região que, mesmo vindo de crescimentos aparentemente sólidos em termos nominais, na realidade não era bem assim, hajavista a rapidez com que se desmoronou o castelo de cartas. O PIB da região caiu 6,8% em 2020, segundo dados da Cepal, o que destroçou o tecido social e ampliou ainda mais a histórica desigualdade econômica e social.

Felizmente, e mesmo que o horizonte ainda não esteja totalmente sem nuvens, o pior da pandemia foi ficando para trás. A América Latina cresceu 6,3% no ano passado graças ao empuxe comercial, a subida nos preços das matérias-primas e as melhores condições de financiamento. Tudo parecia relativamente bem quando, no final do ano passado, vieram à tona as pressões inflacionistas, subiram os tipos de interesse e voltaram os gargalos na cadeia de suprimento, algo que se intensificou desde a eclosão da guerra na Ucrânia.

A América Latina cresceu 6,3% no ano passado graças ao empuxe comercial, a subida nos preços das matérias-primas e as melhores condições de financiamento.

Apesar do conflito bélico adicionar mais incerteza, nada nesses momentos faz presumir que voltaremos a uma profunda recessão como a que estávamos superando. É importante notar que a recuperação será mais lenta que o previsto e vai requerer medidas adicionais para articular um crescimento mais sólido. E somente pode ser mais sólido se é sustentável e inclusivo e procura a colaboração público-privada como alavanca aceleradora. As crises sempre foram um importante deflagrador da mudança. Eu estou convencida de que a pandemia, se formos capazes de entender que estamos diante de uma oportunidade para mudar a forma em que vivemos e trabalhamos, avançaremos de verdade a uns modelos econômicos distintos, não vai ser uma exceção.

Uma das grandes lições que nos deixou a pandemia é que sozinhos não chegaremos a nenhum lugar; necessitamos ir juntos para poder abordar os grandes desafios globais como são a mudança climática, a desigualdade econômica e social, a disparidade de gênero, a pobreza e a fome, a acessibilidade aos serviços básicos Todos estes desafios e objetivos que retratamos em 2015 nos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS).

A América Latina não pode deixar passar este trem, ao qual a digitalização deu mais urgência e velocidade. Pensemos, por exemplo, em uma das deficiências que a pandemia deixou descoberta: o escasso nível de investimento em infraestruturas de saúde e de educação na região. Não podemos ficar quietos. Nem na saúde, nem na educação, nem em outras infraestruturas de serviços básicos como estradas, conexões ferroviárias, portos e aeroportos, saneamentos, energia. Tudo aquilo que impulsiona e acompanha o desenvolvimento e vertebra o crescimento de um país.

Também não podemos ficar atrás em igualdade de gênero e inclusão financeira. O primeiro vertebra a sociedade, ao integrar econômica, empresarial e socialmente à metade da população, as mulheres. E o segundo, a inclusão financeira, é o que permite pensar no futuro e sonhar com progresso, seja criando um pequeno negócio ou simplesmente financiando estudos, uma casa melhor, outra oportunidade. Todas essas coisas que, em maior ou menor medida, vão somando e são relevantes para acabar com as bolsas de pobreza que ainda tem a região.

E, certamente, não podemos ficar atrás na luta contra a mudança climática porque a América Latina é uma das regiões mais afetadas pelos fenômenos meteorológicos extremos que o aquecimento do planeta provoca. Temos pouco que perder e muitíssimo que ganhar se avançarmos na direção da descarbonização completa das economias, que tem sua primeira etapa no objetivo de zero emissões líquidas para 2050.

É necessário procurar o concurso do setor privado para, conjuntamente, poder enfrentar os grandes desafios que temos pela frente

A América Latina deve dar um passo à frente para capturar integramente esta oportunidade. E esse passo à frente requer a decisão e uma visão holística que permita passar de medidas defensivas e com objetivos a curto prazo a uma agenda de crescimento sustentável e inclusivo. E isso necessita da imprescindível colaboração entre o setor privado e o setor público. Sim, imprescindível, porque nem as políticas monetárias —que devem ser restritivas para conter a inflação— nem as políticas fiscais —quase sem margem de manobra após o forte endividamento público nesses anos de crise e pandemia— vão poder ir fundo, ou ao menos como se precisa, no crescimento sustentável e inclusivo. É necessário procurar o concurso do setor privado para, conjuntamente, poder enfrentar os grandes desafios que temos pela frente e que, como dizia antes, não podemos resolver sozinhos. A lição aprendida na pandemia com as vacinas marca o caminho.

A colaboração público-privada ajudaria também o mundo a recuperar a confiança, algo que para a América Latina é um dos problemas mais graves, como destacava o relatório do BID A chave da coesão social e o crescimento na América Latina e Caribe.[2] Mais transparência, instituições mais sólidas, menos burocracia, mais compromisso social, mais produtividade, menos desigualdades, mais empreendimento, mais educação, mais inclusão financeira, mais diversidade, mais e melhor governança. Os países que se destaquem nestes pontos não somente levantarão voo mais rápido, mas também forjarão cimentos sólidos, raízes tão profundas e arraigadas que será muito difícil que possam ser facilmente movidas e arrancadas.

Isso é a parte boa dessa oportunidade. A cada ponto de avanço, somos empurrados a avançar mais, tornando mais difícil dar passos para trás.

Gema Sacristán
Diretora-Geral de Negócio e membro do Comitê de Direção de BID Invest.
É responsável pelas estratégias comerciais e de investimento, bem como de criar propostas de valor para clientes e sócios no setor financeiro, corporativo e de infraestrutura e energia. Anteriormente, foi a responsável da Divisão de Mercados Financeiros do BID e formou parte da equipe que criou BID Invest. Antes de unir-se ao Grupo BID, trabalhou 15 anos em bancos comerciais e de investimento em Londres, Madrid e Nova York. Forma parte do Conselho de Administração da empresa Internet para Todos (IpT) e é membro do Grupo de Especialistas em Financiamento de Comércio Exterior da Organização Mundial do Comércio (OMC). Gema foi reconhecida como uma das cinquenta executivas de maior destaque da América Latina pela revista Latin Trade, é membro do Young President's Organization (YPO) e foi nomeada First Mover Fellow pelo Instituto Aspen.

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