UNO Setembro 2018

O novo paradigma da comunicação de crises e riscos

Vivemos em uma mudança de paradigma comunicativo. A sociedade foi digitalizada. Os cidadãos, como aponta a ciber-antropóloga, Amber Case, foram convertidos em ciborgues, em virtude de suas extensões móveis. Os smartphones mudaram a maneira como nos informamos e nos relacionamos com nosso ambiente. Desde que nos levantamos e até o momento em que vamos para a cama, vivemos conectados. É certo que estamos mudando a maneira pela qual estabelecemos a conexão, mais intimamente ligados à interação por meio das redes sociais abertas, com um alto consumo de nosso tempo disponível. Mais focados, agora, em buscar informações de qualidade, talvez cansados de dedicar tanto tempo às redes. Mais atenção, portanto, às Dark Social, redes interpessoais de comunicação instantânea e não-abertas, de acordo com um estudo recente de Buzzsumo.

A hiperconexão na qual vivemos nos traz grandes vantagens em termos de acesso a informações onipresentes e instantâneas. Acessamos um grande volume de informações sem poder digerir os dados quando milhares de novas notícias substituem as que as redes acabam de nos mostrar. É a mesma hiperconexão que tornou a sociedade hipervulnerável. Hipervulnerável à desinformação, às fraudes, rumores e todos os tipos de ataques cibernéticos.

Os cidadãos também são ciber-empregados. Tornaram-se, pelo trabalho e graça às suas extensões móveis, porta-vozes não autorizados das empresas. Vivemos isso em maio de 2017, com o WannaCry. Os próprios funcionários difundiram informações confidenciais por meio do Dark Social. Os mesmos funcionários que se tornaram o vetor preferencial da vulnerabilidade a partir da qual os hackers acessam o coração dos negócios. Tudo isso via e-mail e, hoje em dia, de forma prioritária, a partir dos smartphones. A transformação digital da sociedade, em um marco comunicativo transmídia, produz, portanto, cidadãos ciborgues que são autênticos vetores de risco. Não há mais um pequeno inimigo. Qualquer um de nós pode ser a fonte de uma grave crise de reputação para uma marca.

O moto-contínuo da crise na qual estamos instalados, nas palavras de José Manuel Velasco, levou a um cenário de desconfiança em instituições, empresas e suas mensagens. Conseguiu minar o quadro de crenças gerais no sistema. O cidadão ciborgue tornou-se desconfiado e incrédulo. Tudo agora é questionado e analisado. A crise dos modelos de negócios nos meios de comunicação contribuiu para isso. A descapitalização das redações colaborou para a perda de rigor informativo e a graves erros na produção de informações que afetaram todas as mídias, inclusive a chamada imprensa de qualidade.

O novo cidadão ciborgue se organizou em um novo ecossistema digital de comunidades. Conversam dentro de territórios. Os líderes das comunidades em que vivem ordenam o tráfego na conversação e defendem a causa comum que os integra. Mapear apropriadamente as comunidades e conhecer de maneira profunda suas conversações é essencial, não apenas para identificar riscos e oportunidades, mas também para forjar alianças (especialmente com seus líderes) e tentar neutralizar os inimigos.

O ciberespaço como um novo campo de batalha durante as crises

As crises sofreram mutações. Não se parecem em nada com aquelas que geríamos há dez anos, antes do aparecimento do primeiro smartphone. A hiperconectividade tornou impossível dissociar a evolução e o gerenciamento da crise de um cenário digitalizado. De fato, a maior parte delas tem sua primeira manifestação pública nas redes sociais. O ciberespaço é, então, o tabuleiro de xadrez onde o conflito será resolvido. Compreendendo por ciberespaço a íntima conexão do espaço digital com o analógico, na qual se desdobram as relações do cidadão ciborgue.

A hiperconectividade tornou impossível dissociar a evolução e o gerenciamento da crise de um cenário digitalizado

Nossas conversas já não podem mais ser separadas; são produzidas continuamente, pulando do analógico para o digital e retornando novamente ao analógico. Não há crises online e offline. São apenas crises, que são dirimidas no ciberespaço da relação analógica e digital em que nos relacionamos com o nosso ambiente.

As crises são assimétricas e mudam rapidamente. Não há crise offline e online, locais e nacionais, todas têm a capacidade de sofrer mutações rapidamente em razão do ciberespaço hiperconectado

Nesse ambiente, as crises são assimétricas e mudam rapidamente. Não há crise offline e online, locais e nacionais, todas têm a capacidade de sofrer mutações rapidamente em razão do ciberespaço hiperconectado. Todas as crises são resolvidas em um espaço digitalizado porque o cidadão é um ciborgue.

Passamos de um conflito tradicional, em que os estados lutam pelo controle do cidadão, para um novo modelo. O conflito antes era vertical, baseado no controle dos meios de comunicação. Um cenário analógico em que os dados prevaleciam frente às emoções.

O novo modelo de conflito é multidirecional e digital. Está estabelecido no ciberespaço. Sua estrutura evolutiva favorece a desconfiança social, o questionamento de crenças compartilhadas, a modificação de valores e o enfraquecimento do sistema. Um conflito inoculado de cima para baixo e também de baixo para cima. Um conflito que sofre mutação rapidamente, a partir de múltiplas plataformas, com consequências globais, e que tem afetos e emoções como os principais vetores da viralização.

As grandes crises globais são, em muitos casos, híbridas. As grandes crises podem ser desenvolvidas com ações combinadas, que podem incluir, junto com o uso de métodos militares tradicionais, manipulação de informações, pressão econômica e ataques cibernéticos, buscando a desestabilização geral do sistema. Casos como a suposta interferência da Rússia na última campanha eleitoral norte-americana são um exemplo disso.

As novas crises são mais rápidas e autorreplicantes. A capacidade de crescer, de maneira exponencial, e escapar ao controle em poucos minutos torna a capacidade de resposta imediata uma chave para o sucesso de qualquer política de prevenção e ação. O monitoramento constante do risco, a partir de um sistema completo de detecção precoce de alertas é vital para as organizações. As soluções tecnológicas que analisam grandes pacotes de dados e automatizam os processos de triagem são capitais.

Além disso, as crises se retroalimentam e aprofundam-se em si mesmas, autonomamente. Em muitas ocasiões, se autorreplicam aleatoriamente, sem controle. É, novamente, um efeito do ciberespaço no qual elas se desenvolvem, impulsionado pelo cidadão ciborgue.

 

Luis Serrano
Líder global da Área de Crise e Risco na LLORENTE & CUENCA
É diretor da área de crise da LLORENTE & CUENCA. Graduado em Jornalismo, é um dos maiores especialistas da Espanha em gestão da comunicação em emergências e catástrofes, assim como na área de desenvolvimento de protocolos de atuação em situações de crise em redes sociais. Por 17 anos foi assessor de imprensa do Centro de Emergência 112 da Comunidade de Madri, onde participou ativamente do tratamento de situações tão relevantes quanto o atentado de 11 de março de 2004, em Madri. Atuou em mais de 100 casos de acidentes industriais, com múltiplas vítimas, em centros de lazer, crises de saúde, etc. O livro “11 de Março e outras Catástrofes. A Gestão da Comunicação em Emergências” é fruto de suas experiências. Do mesmo modo, possui extensa experiência acadêmica na área de emergência e de gestão de crises. Como jornalista, trabalhou por sete anos nos serviços de informação da Rádio Onda Cero. [Espanha]

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