UNO Julho 2023

Pioneiros do possível: a UE e a América Latina, unidas para desenvolver direitos digitais

A evidência é convincente. Existe um amplo consenso, tanto na União Europeia quanto nos países ibero-americanos, em considerar as tecnologias digitais um motor primordial de desenvolvimento. Também é irrefutável que este processo deve ser acompanhado de medidas que democratizem a digitalização e, ao mesmo tempo, protejam os cidadãos do uso indevido dessa inovação. É aí que entra o Instituto Hermes, que tem como missão identificar, divulgar e defender os direitos do cidadão no ambiente digital. É por isso que seguimos com grande expectativa a Declaração dos Direitos Digitais proclamada pela Comissão Europeia em dezembro de 2022 e também participamos das iniciativas que levaram Espanha e Portugal a serem os primeiros países europeus com uma Declaração de Direitos Digitais. Foi esse mesmo desejo de servir que nos levou a colaborar ativamente na elaboração da Carta Ibero-Americana dos Direitos Digitais aprovada em março passado na Cúpula Ibero-Americana na República Dominicana.

O documento europeu dá continuidade ao espírito promovido pelo ex-presidente do Parlamento Europeu, David Sassoli, em 2018 ao considerar o acesso à Internet como um novo direito humano. Ao afirmar que tudo o que é ilegal no mundo físico também deve ser ilegal no mundo digital, enfatiza os valores europeus e visa colocar a UE na vanguarda dos direitos digitais. Do outro lado do Atlântico, a Carta Ibero-Americana dos Direitos Digitais gira em torno da ideia de que todos os direitos e liberdades fundamentais reconhecidos em nossas constituições e na Declaração Universal dos Direitos Humanos são garantidos no ambiente digital. A Carta significa a afirmação inequívoca de um princípio universal sem cuja aplicação a transformação digital mais cedo ou mais tarde estaria dissociada do desenvolvimento social e democrático: todas as pessoas têm direitos idênticos no ambiente digital e no analógico. 

A missão do Instituto Hermes é identificar, divulgar e defender os direitos do cidadão no ambiente digital

Além disso, a União Europeia, com iniciativas como a proposta de Lei da Inteligência Artificial, que seguramente será aprovada no segundo semestre deste ano, comprometeu-se a desenvolver um quadro normativo e vinculativo para os Estados-Membros que imponha o respeito pelos valores europeus, a dignidade da pessoa e os direitos fundamentais como marco de qualquer processo de transformação digital.

A Carta Ibero-Americana tem como base um princípio essencial: a centralidade da pessoa em qualquer processo de transformação digital. O primeiro compromisso da Carta é “promover a construção de uma Sociedade da Informação inclusiva, centrada nas pessoas e orientada para o desenvolvimento”. Desta forma, a Carta está alinhada com os compromissos assumidos na Declaração da União Europeia e na Carta de Direitos Digitais da Espanha. Nenhum dos documentos citados tem valor normativo (exceto a Carta portuguesa), mas todos demonstram o compromisso incontornável de marcar um roteiro legislativo que inclua o respeito integral pelos direitos digitais, qualquer que seja o desenvolvimento da transição digital. A Declaração Europeia afirma que os Estados-Membros e a Comissão devem ter em conta os princípios e direitos digitais nela estabelecidos. 

A Carta Ibero-Americana também aponta (de forma mais ampla porque o compromisso também alcança a sociedade civil e as empresas) afirmando que visa promover princípios comuns a serem levados em conta pelos Estados ao adotar ou adaptar a legislação nacional ou implementar políticas públicas relacionadas à proteção de direitos e ao cumprimento de deveres em ambientes digitais, bem como por empresas, sociedade civil e academia no desenvolvimento e aplicação de tecnologias, colocando as pessoas no centro da transformação digital.

Isso facilita a atualização completa e constante dos textos, que não precisam ser afetados pela passagem do tempo. A Carta Ibero-Americana expressa isso claramente ao afirmar que “a inovação tecnológica e os novos desenvolvimentos tecnológicos e científicos, como a inteligência artificial, as neurotecnologias ou a computação quântica, entre outros, colocam desafios que devem ser enfrentados garantindo os direitos das pessoas”, e assumem o compromisso de “abordar conjuntamente as questões associadas às tecnologias emergentes, bem como seu uso seguro, ético e responsável”.

Essa perspectiva, por outro lado, também é essencial. Todos os documentos a que me referi incluem uma menção, e não retórica, ao compromisso ético que deve inspirar o desenvolvimento tecnológico e a regulação. A Declaração Europeia é muito clara: as instituições europeias aspiram a promover um caminho para a transição digital baseado nos valores europeus e nos direitos fundamentais da UE, centrado nas pessoas e reafirmando os direitos humanos universais, podendo ao mesmo tempo beneficiar do enorme impulso que a transformação digital oferece para uma melhor qualidade de vida e bem-estar das pessoas, crescimento econômico e sustentabilidade. Esta perspectiva positiva nunca deve ser perdida de vista.

E a Carta Ibero-Americana destaca que os países da região estão conscientes de que a transformação digital das economias é uma necessidade para fortalecer a capacidade dos países em direção ao desenvolvimento equilibrado, que permita reduzir e eliminar padrões insustentáveis de produção e consumo, aumentar as capacidades e que esse esforço beneficie a sociedade como um todo. Após analisar as estratégias em curso na região ibero-americana, com destaque para o Peru, encontramos reiteradamente listados os direitos digitais básicos. Referimo-nos à acessibilidade universal, conectividade de banda larga, governo eletrônico ou proteção da privacidade. 

A intersecção entre sustentabilidade e digitalização é uma área incipiente de atenção e, por exemplo, a CEPAL definiu a transformação digital com uma visão de desenvolvimento sustentável entre as prioridades da agenda de trabalho, e o Banco Mundial está reunindo parceiros dos setores público e privado para promover soluções digitais e acelerar a digitalização verde, resiliente e inclusiva nos países em desenvolvimento.

Portanto, a Ibero-América e a Europa decidiram assumir a liderança global e ser pioneiras no que é possível: construir o futuro da sociedade digital e maximizar as oportunidades que ela nos oferece, garantindo o respeito pelos direitos fundamentais. 

Enrique Goñi
Presidente do Instituto Hermes
Graduado em Direito pela Universidade de Navarra, completou o Programa de Gerenciamento Sênior pelo IESE. Iniciou sua carreira profissional no Barclays Bank, foi diretor do grupo de empresas MutuAvenir e vice-gerente geral da Agrupación Mutua. Também foi CEO da Caja Navarra e da Caja de Ahorros de Navarra. Em 2010, como presidente executivo, fundou o Grupo Banca Cívica, do qual foi co-presidente e CEO até sua integração com o Caixabank. Atualmente, é vice-presidente da Criteria Caixa e presidente do think tank Instituto Hermes.

Queremos colaborar com você

Qual o seu desafio?

Quer fazer parte da nossa equipe?

Quer que a LLYC participe do seu próximo evento?